Alguns apontamentos de geologia da Gruta dos Morcegos
20 de Setembro de 2021

Rodrigues, Paulo 1,2,3

  1. Grupo de Espeleologia e Montanhismo, Rua General Pereira de Eça, nº30, 2380-075 Alcanena
  2. Núcleo dos Amigos das Lapas Grutas e Algares 
  3. Comissão Científica da Federação Portuguesa de Espeleologia, Estrada Calhariz de Benfica, 187, 1500-124 Lisboa 
Email de correspondência: paulor2005@yahoo.com

 

Resumo

A Gruta dos Morcegos é uma gruta que se desenvolve num bloco tectonicamente elevado entre os polges de Minde e Alvados, em calcários da formação de Calcários Micrítos da Serra de Aire (Jurássico Médio). O controlo estrutural do desenvolvimento da gruta não é claro. A gruta formou-se na zona freática com a água a circular em direção à boca da gruta. Com a  descida relativa do nível de base, a gruta passou para a zona vadosa inativa. A descida do nível de base estará associado à movimentação tectónica.


Introdução

Durante alguns anos este levantamento geológico esteve “na gaveta” e chegou agora a hora de ver a luz do dia. O levantamento topográfico foi realizado pelo Grupo de Espeleologia e Montanhismo, em 2016, com os trabalhos de campo liderados por José Ribeiro.


Localização

A Gruta dos Morcegos situa-se na localidade na União de Freguesias de Alvados e Alcaria, concelho de Porto de Mós, distrito de Leira, na unidade hidrogeomorfológica do planalto de Santo António, no Maciço Calcário Estremenho. A gruta desenvolve-se no extremo Oeste da elevação que separa os polges de Minde e Alvados, não muito longe do seu topo, com a entrada a abrir-se à cota 436m. A gruta tem uma boca bastante larga, onde depois de um ressalto de cerca de 3m se consegue aceder ao interior da gruta.
Figura 1 – Aproximação à Gruta dos Morcegos (Foto: Florbela Silva)
Figura 2 – Entrada da Gruta dos Morcegos (Foto: Marta Borges - GEM)

Enquadramento Estratigráfico e estrutural

A gruta desenvolve-se segundo a Folha 27-A- Vila Nova de Ourém da Carta geológica de Portugal à escala 1/50000 integralmente na formação de Calcários Micríticos da Serra de Aire, datada do Batoniano (Jurássico Médio). A formação segundo Manuppella et al, 2000, é composta por calcários. Integra segundo Crispim, 1995, a Formação cársica do Jurássico Médio. Trata-se de uma formação com potencial de casificação elevado.
 
A gruta situa-se num bloco calcário, tectonicamente pela Falha de Alvados-Minde e falhas associadas. A Falha de Alvados-Minde apresenta nas proximidade da gruta direção este-oeste.
 
A figura 3 apresenta a localização da gruta num extrato da Folha 27-A – Vila Nova de Ourém da Carta Geológica de Portugal à escala 1/50.000.
Figura 3 – Extrato da Folha 27-A – Vila Nova de Ourém da Carta Geológica de Portugal à escala 1/50.000.

Espeleometria e descrição da gruta

A gruta apresenta um desenvolvimento total de 207m, com um desnível total de 33m. A cavidade é composta por uma primeira sala de secção de diâmetro da ordem de grandeza métrica que, através de um poço com 5m de profundidade, dá acesso a uma galeria inferior também de diâmetro métrico, de direção inicial norte-sul que, após algumas dezenas de metros, vira para este, já com o fundo da gruta coberto de blocos.  De salientar uma ligeira corrente de ar na zona terminal da gruta.
Figura 4a - Planta da Gruta dos Morcegos
Figura 4b - Perfil desdobrado da Gruta dos Morcegos
Figura 4c - Ficha de Equipagem da Gruta dos Morcegos

Controlo estrutural

O controlo estrutural não é claro. A gruta é atravessada por várias fraturas sobretudo de atitude E-W/Vertical, que na maior parte gruta não condicionam o seu desenvolvimento mas que na sala de entrada e sobretudo no troço terminal da gruta aparentam controlar esses setores. Algum controlo associado à atitude das camadas  (N40W/20SE) não é de excluir, embora não seja evidente.

Génese

A gruta formou-se na zona freática, de acordo com a definição de Bögli, 1980, como evidenciado pela secção arredondada, vagas de erosão e cúpulas, existentes na gruta. A gruta é atualmente um troço fossilizado de um antigo coletor que com a descida relativa do nível de base passou para a zona vadosa inativa. A descida do nível de base estará associado à movimentação tectónica, dada a cota elevada a que a galeria da gruta se desenvolve, 433m a 403m e à proximidade à Falha de Alvados-Minde, que de acordo com Cabral e Ribeiro, 1988, é uma falha ativa. Um abatimento na parte terminal da gruta, do qual resulta o caos de blocos que preenche grande parte da galeria, provocou o seccionamento deste troço do restante da gruta.

Paleocirculação
 

As vagas de erosão observadas têm um comprimento que variou entre 0,5m e 0,4m, com o sentido de circulação grosseiro para a entrada da gruta.

Conclusões
 
A Gruta dos Morcegos é uma gruta que se desenvolve num bloco tectonicamente elevado, entre os polges de Minde e Alvados, em calcários da formação de Calcários Micrítos da Serra de Aire (Jurássico Médio). A cavidade tem um desenvolvimento total de 207m e um desnível de 33m. O controlo estrutural do desenvolvimento da gruta não é claro. A gruta é atravessada por várias fraturas sobretudo de atitude E-W/Vertical, que na maior parte gruta não condicionam o seu desenvolvimento. Algum controlo associado à atitude das camadas (N40W/20SE) não é de excluir.
 
A gruta formou-se na zona freática com a água a circular em direção à boca da gruta. Com a descida relativa do nível de base, a gruta passou para a zona vadosa inativa.  A descida do nível de base estará associado à movimentação tectónica, dada a cota elevada a que a galeria da  gruta se desenvolve, 433m a  403m e à proximidade da Falha de Alvados-Minde.
Figura 5 – Aspeto do interior da gruta. (Foto: Florbela Silva)
Fotos da Gruta dos Morcegos por Marta Borges (GEM) e Florbela Silva

Agradecimentos

Agradecemos a todos os que participaram nos trabalhos de campo, na exploração e levantamento topográfico: Bruno Pais, Florbela Silva e em particular a José Ribeiro que liderou a equipa de topografia e fez a arte final da topografia. No levantamento geológico também o agradecimento a Filipe Castro, Alda Reis e Teresa Cardoso.

Referências  bibliográficas

  • Crispim, J.A (1995) – Dinâmica Cársica e Implicações Ambientais nas Depressões de Alvados e Minde. Dissertação apresentada à Universidade de Lisboa para a obtenção do grau de Doutor em Geologia, especialidade de Geologia do Ambiente. Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Departamento de Geologia.
  • Manupella, G., Telles Antunes, M., Costa Almeida, C.A., Azerêdo, A.C., Barbosa, B., Cardoso, J.L., Crispim, J.A., Duarte, L.V., Henriques, M.H., Martins, L.T., Ramalho, M.M.; Santos, V.F.; Terrinha. P.; (2000). Carta Geológica de Portugal – Vila Nova de Ourém, Folha 27-A, à escala 1:50.000, e Nota Explicativa, Instituto Geológico e Mineiro, Lisboa.
  • Martins, Alfredo Fernandes, 1949.  – Maciço calcário estremenho: Contribuição para um estudo de geografia física. Coimbra.
  • J. Cabral e A. Ribeiro, 1988, Carta Neotectónica de Portugal Continental, na escala de 1:1.000.000 Categoria: Cartografia, Cartografia em Papel, Instituto Geológico e Mineiro, Lisboa.