Artigo_Alecrineiros8
Algares do Cabeço dos Alecrineiros - Parte VIII
09 de Julho de 2017

Ribeiro, José 1,2; Lopes, Samuel 1,4; Rodrigues, Paulo 1,2,3

  1. Grupo de Espeleologia e Montanhismo, Rua Maria Veleda, 6, 7ª Esq, 2650-186, Amadora, Portugal
  2. Núcleo dos Amigos das Lapas Grutas e Algares 
  3. Comissão Científica da Federação Portuguesa de Espeleologia, Estrada Calhariz de Benfica, 187,  1500-124 Lisboa
  4. Wind-CAM – Centro de Atividades de Montanha, Rua Eduardo Mondelane, lj44, 2835-116 Baixa da Banheira

 

Introdução

É com alegria, dedicação e orgulho que no seguimento deste nosso trabalho, vamos partilhar nesta publicação o Algar do Bafo, Bafinho, Bafão.

Tem sido de facto uma grande aventura a sua exploração, aqueles poços apertados em que parece que tudo acaba ali, mas…. uma janela e de repente um espaço enorme se abre e sentimos “o coração no céu da boca” ao deslumbrarmos o vazio do desconhecido.
Não tem sido fácil, muito trabalho, muitas desobstruções, o algar encontra-se em exploração com muitas interrogações que a seu tempo vão encontrar respostas. Tem muitas zonas instáveis, pelo que devemos, tanto a subir como a descer, aguardar em locais específicos.
 
Adverte-se também e mais uma vez que para sua proteção e da própria cavidade o espeleólogo tem de ter obrigatoriamente formação!!!
 
Importa informar que, mais tarde, viemos a verificar que as coordenadas do Algar do Bafo, Bafinho, Bafão, já estavam identificadas no cadastro de São Bento, como Lmk016, fornecidas pelo GPS (Grupo de proteção de Sicó).

Algar do Bafo, Bafinho, Bafão

Bom, iniciamos esta exploração em Fevereiro, numa atividade de prospeção, fazia um frio terrível e o vento soprava de leste com intensidade, fazendo-se sentir ainda mais frio, não esquecendo também que estamos à cota 500.
 
Como não poderia deixar de ser foi na procura do local mais abrigado para o almoço, que Valentina Correia (WIND), ao chegar ao Chouso (muro de pedra), repara nos carrascos que abanavam, fruto da passagem de ar que saia da fissura que ali se encontrava no chão.
Figura 1 – Fotos do algar, após se retirarem as lajes que o tapavam e alargadas as paredes para a 1ª descida (Fotos:  Samuel Lopes – GEM/WIND e Sandra Lopes – GEM)
Retirámos as lajes, alargámos as paredes do pequeno poço e vislumbrámos uma pequena passagem que, apesar de ser apertada, deixava ver ao que parecia um poço, a que mais tarde demos o nome de Poço das Raízes. Na sua base o algar cresce num grande caos de blocos. A partir de aqui, com varias interrogações, seguimos o caminho que nos pareceu mais indicado por várias razões, e neste momento estamos a -223 m.
Descrição:
O algar abre-se à superfície, numa fenda no sentido NO-SE, com cerca de 1m de comprimento e 50cm de largura, na sua zona mais larga. Segue-se um pequeno poço com fenda no sentido ONO-ESE que dá acesso a um novo poço. Na base deste poço (Poço das Raízes), o algar cresce, e acedemos a um grande caos de blocos. O salão, se assim lhe podemos chamar, tem praticamente a orientação O-E. Existem vários poços, todos eles dentro da orientação do salão, sendo o prolongamento da descontinuidade em profundidade.
 
Apesar de ainda haver recantos por explorar nesta zona, descendo dois poços, aos quais chamámos de Arrasa-fatos, a cerca de -50m acede-se também, por uma janela, à cabeceira de novo conjunto de poços.
Figura 2 - Primeira descida do Poço das Raízes
(Foto: Samuel Lopes - GEM/WIND)
Figura 3 - Desobstrução de um dos poços Arrasa-fatos (Foto: Samuel Lopes - GEM/WIND)
Figura 4 - Primeira descida do Poço Faisão (Foto: Samuel Lopes - GEM/WIND)
Nesta zona tem-se acesso à cabeceira do Poço Faisão, sendo a sua cabeceira a mais larga. O algar começa novamente a crescer de dimensão.
 
O poço tem 58m, num dos seus recantos foram encontrados fósseis de coral cérebro, cobertos com calcite. Um pouco antes da metade do seu desenvolvimento abre-se uma diáclase no sentido NO-SE. Este patamar sobrepõe-se a NO à base do Poço Faisão, que tem o mesmo alinhamento.
Figura 5 - Fóssil do coral cérebro, coberto com calcite (Foto: Samuel Lopes - GEM/WIND)
Na base do poço a NO, e depois de um destrepe, chegamos à sala “Bunker”, de paredes lisas, fruto da escorrência das águas que ali se acumulam em época de chuva e que se somem por entre os blocos na zona de destrepe.
 
Seguindo a direção N, na base do poço, também em destrepe já com auxilio de um pequeno corrimão, acedemos ao Poço da Água.
 
Em pleno Inverno chove aqui com intensidade, escoando a água poço abaixo, desaparecendo no final por uma pequena fenda.
 
Note-se que as paredes do poço estão cobertas de calcite.
Figura 6 - Parede da sala Bunker (Foto: Samuel Lopes - GEM/WIND)
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Figura 7 - Exploração do Poço da Água (Fotos: Samuel Lopes - GEM/WIND)
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Figura 8 - Exploração do Poço da Água (Foto: Samuel Lopes - GEM/WIND)
No sentido SE, depois de se descer um pequeno desnível de 3m e encostado à parede, encontra-se a continuação do algar que após várias desobstruções e descendo um poço de 5m, dá agora acesso a uma nova cabeceira de poço.
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Figura 9 - Inicio da desobstrução do P5 (Foto: José Ribeiro - GEM/WIND)
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Figura 10 - Final da desobstrução à cabeceira do P28 (Foto: José Ribeiro - GEM/WIND)
Note-se que a descontinuidade continua a ser a mesma NO-SE, mas agora numa zona mais profunda, virando ligeiramente para sul. Nesta zona, passando a cabeceira do poço, existe um pequeno tramo de progressão horizontal com acesso a pequenos poços representados na topografia, que se compreende irem ligar à zona inferior da descontinuidade.
Figura 11 - Foto do P28. Note-se as paredes lisas (Foto: José Ribeiro - GEM/WIND)
Um pouco antes de chegar à base deste poço, há um  pequeno patamar, após nova desobstrução, percebe-se a continuação da descontinuidade tanto em altura como em profundidade no mesmo sentido NO-SE, percebendo-se a possível ligação aos poços do tramo horizontal há pouco descrito.
 
Aqui entramos na zona a que demos o nome de Poços Gémeos, que se ligam entre si em várias zonas, ligando também à nova passagem, após corrimão, a descontinuidade que agora se direciona para S.
 
Nota-se após progressão que na zona em que a descontinuidade vira para S, também existe ligação ao Poço Gémeo, descendo um P17.  Nesta zona existe, aqui e ali, alguma argila nas paredes.
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Figura 12 - Foto da 1ª passagem, após desobstrução, dando acesso a zona de boas dimensões a cerca de -140m (Foto: Samuel Lopes - GEM/WIND)
Figura 13 - Zona inicial onde a descontinuidade vira para Sul (Foto: Samuel Lopes - GEM/WIND)
Figura 14 - Equipagem da descontinuidade
(Foto: Rui Andrade - NEUA/GPS)
No seguimento da descontinuidade encontramos novo poço, este um pouco mais fechado, mas que atinge os -195m, percebendo-se a sua possível ligação aos poços gémeos numa pequena fresta na sua base (comprova-se a proximidade com a topografia).
 
A descontinuidade segue para Sul, e uns bons metros a frente aparentemente fecha. Existem várias probabilidades indicadas na topografia, que a seu tempo serão avaliadas.
 
Regressando à zona dos Poços Gémeos, inicialmente descemos o P56 e percebe-se a ligação ao poço gémeo em algumas zonas da descida, mas apenas se acede a este a partir dos -195m, onde se voltam a ligar. Aqui, após descida, chegamos à base dos Nódulos.
Figura 15 - Base dos Nódulos. Note-se os nódulos, possivelmente siliciosos, que sobressaem na parede à direita e que deram o nome à base. (Foto de Samuel Lopes GEM/WIND)
Um caos de blocos, alguns de grandes dimensões, provenientes de zonas que colapsaram, provavelmente da ligação entre poços e a diáclase.
Nota-se a presença nas paredes do poço, na parte final, de pequenos aglomerados de um areão grosseiro, preto e cor de argila, aparentemente ferroso, e sedimentos mais pesados que ali ficaram depositados.
Existem duas probabilidade de progressão nesta zona sendo a mais promissora a que esta a -223m, de onde provém um fresco agradável de uma fissura já identificada, mas que requer outros meios para a sua exploração. Está fissura aparentemente direcciona-se para debaixo do caos de blocos.
Geologia:
O algar é basicamente constituído por uma série de poços ligados entre si.  Esses poços são estruturalmente controlados por fraturas de desenvolvimento subvertical e de direção grosseira E-W e NW-SE, sendo que esta última direção se faz sentir sobretudo abaixo dos 80m de fundura.
Trata-se de um vadose shaft, como é comprovado pelo controlo estrutural e abundantes caneluras de escorrência que ocupam a maior parte do volume dos poços.
O algar, com base na sua localização, na folha 27-A Vila Nova de Ourém, da Carta Geológica de Portugal à escala 1/50.000, e profundidade atingida, deverá atravessar integralmente uma série de formações do Jurássico Médio, as formações de Calcários bioclásticos do Codaçal (datados do Batoniano), Calcários de Chão das Pias (datados do Bajociano inferior a Bajociano) e penetrar já no topo da Formação de Margas e Calcários margosos do Zambujal (datada do Aleniano inferior a Bajociano inferior).
Os nódulos que se observam na Figura 15 e encontrados abaixo dos 200m de profundidade, poderão indicar a transição para o topo da formação de Calcários margosos do Zambujal. De acordo com a notícia explicativa da carta acima referida, esta formação continua a apresentar-se na sua parte superior como francamente carbonatada e assim potencialmente carsificável.
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Figura 16 - Zona a que se desce ao ponto mais fundo do algar. Note-se as paredes lavadas pela erosão provocada pela água. (Foto: Samuel Lopes - GEM/WIND)
Presente:
Atualmente estamos a explorar a diáclase, a que demos o nome de “Diáclase Inferior” , as espectativas são altas em vários pontos do algar. Consideramos que terminamos a 1ªfase dos trabalhos, partilhando agora a topografia do que já esta feito. Após explorarmos esta diáclase, vamos desequipar parcialmente o algar para proceder a desobstruções mais técnicas em zonas chaves da cavidade, tornando assim o algar mais seguro para que possamos “atacar” os -223m.
Figura 17a – Planta do Algar do Bafo, Bafinho, Bafão
Figura 17b – Perfil do Algar do Bafo, Bafinho, Bafão
Figura 17c – Pormenor da sobreposição de poços no Algar do Bafo, Bafinho, Bafão
Fotos do Algar do Bafo, Bafinho, Bafão por José Ribeiro (GEM/WIND), Samuel Lopes (GEM/WIND), Sandra Lopes (GEM) e Rui Andrade 
Amigos, neste nosso pequeno mas grande “meio”, onde tudo o que restará das nossas breves vidas será o legado que deixamos às futuras gerações, nenhum de nós sabe quanto tempo viverá ou onde tudo terminará. Tudo o que fazemos é alimentado por esta paixão de desbravar o desconhecido, que tanto prazer nos dá ao descobrir um novo caminho.
 
Dedicamos esta publicação a todos os Espeleólogos que, duma forma ou de outra, se sacrificam ou sacrificaram para chegar sempre mais além…