Algar da Cancela II
05 de Outubro de 2025

Rodrigues, Afonso Introdução e Localização, Resenha Histórica, Descrição e Topografia

 
  1. Grupo de Espeleologia e Montanhismo, Rua General Pereira de Eça, nº30, 2380-075 Alcanena
  2. Núcleo dos Amigos das Lapas Grutas e Algares 
  3. Comissão Científica da Federação Portuguesa de Espeleologia,Estrada Calhariz de Benfica, 187, 1500-124 Lisboa 

Introdução e Localização

O algar da Cancela II encontra-se no Maciço Calcário Estremenho (MCE), na encosta da Cancela, uma vertente de uma elevação situada perto do limite Sul do MCE, entre a Serra dos Candeeiros e o Polge da Mendiga, não muito longe da localidade de Xartinho. As coordenadas geográficas (WGS84) da entrada da gruta são: Latitude 39,44497º, Longitude -8,87281º e Z aproximado de 297 metros.

Figura 1 - Localização do Algar da Cancela II (imagem de satélite com planta em roxo).
Figura 1a - Ampliação da imagem de satélite com planta em roxo.

Resenha Histórica

Durante os trabalhos foi possível apurar a existência de 2 campanhas de trabalho históricas nesta gruta, embora nos pareça muito provável que a gruta tenha tido bastante visitação e trabalho não documentado. Por ordem cronológica, do que foi possível apurar:

  • Ferreira (1962) apresenta numa separata do boletim da SPE (Sociedade Portuguesa de Espeleologia) uma nota sobre a gruta, com situação geográfica, geologia local, espeleogénese, espeleomorfologia e um perfil da parte inicial da gruta, incluindo o poço de entrada. O acesso ao restante da cavidade é marcado com um ponto de interrogação. Admite-se que posteriormente à topografia tenha sido feita uma desobstrução nessa zona, dando acesso ao resto da cavidade. De salientar a qualidade do artigo. Como nota refira-se que a melhor descrição da entrada da gruta: “algar-rampa” encontra-se neste artigo.
Figura 2 - Topografia do Algar da Cancela II segundo Ferreira (1962).
  • A gruta foi visitada por espeleólogos do GEM e da AESDA (Associação de Estudos Subterrâneos e Defesa do Ambiente) em 2017. Após essa visita um grupo de espeleólogos de várias associações procede a laboriosos trabalhos de desobstrução e à topografia da gruta (que se encontra nas Figuras 3 e 4)  Agradecemos a Bruno Pais (AESDA) a cedência da topografia e a ajuda na resenha histórica.  Esta é a primeira topografia integral conhecida da gruta. Os nomes da equipa de campo e dos autores da topografia podem ser consultados nas Figuras 3 e 4.
Figura 3 - Planta do Algar da Cancela II (topografia cedida por Bruno Pais).
Figura 4 - Perfil do Algar da Cancela II (topografia cedida por Bruno Pais).

Descrição

A partir da entrada, vertical e arredondada, que a SE abre numa cornija (Ferreira, 1962), desce-se uma série de ressaltos que conduzem a um salão com fundo de blocos e teto/paredes marcados profundamente por dissolução espongiforme, com alguma concreção associada. O conjunto de poços e ressaltos tem cerca de 20m de desnível. No extremo Sul da sala há um pequeno poço colmatado por pedras, correspondendo ao ponto mais profundo da cavidade. A gruta continua para Norte, subindo-se um manto estalagmítico numa zona bastante concrecionada; prossegue-se por uma passagem baixa e relativamente discreta, sendo o troço seguinte mais estreito e lamacento. Passam-se várias pequenas salas com marmitas de teto reveladoras de antiga circulação sob pressão, vendo-se também prateleiras suspensas de calcite formadas quando as condutas terão estado assoreadas.

Figura 5 - Boca da gruta (Foto: Afonso Rodrigues - GEM). De notar o aspeto arredondado da secção da entrada.

Existe uma galeria que se ramifica novamente para Sul, terminando muitíssimo perto do extremo de outro pequeno meandro, e põe-se a hipótese de ter existido comunicação passada. Veem-se vagas de erosão de dimensão decimétrica em várias das passagens. Eventualmente atinge-se um ressalto quase vertical para uma sala de maior dimensão, onde se veem canais de teto bem proeminentes.

Figura 6 - Aspeto do teto da galeria (Foto: Afonso Rodrigues - GEM). Note-se o aspeto corroído.
Figura 7 - Descontinuidade vertical que controla a zona terminal da gruta (Foto: Afonso Rodrigues - GEM).

Nesta zona a cavidade muda de configuração, dando os tubos de pressão lugar a duas/três grandes descontinuidades verticais alargadas cobertas de coraloides, tendo este tramo final aspeto de génese vadosa. O teto das passagens estará muito perto da superfície, e existe uma raiz impressionante a atravessar a diaclase (ou falha) principal; além disso, sente-se uma pequena corrente de ar no fundo, possivelmente de uma segunda entrada inacessível.

Espeleometria

Uma nova topografia da gruta foi realizada tendo-se obtido os seguintes dados de espeleometria:

  • desenvolvimento total: 152m;
  • projeção horizontal: 133m;
  • desnível: -25m.

Os dados espeleométricos são compatíveis com a topografia cedida por Bruno Pais.

Figura 8 - Planta do Algar da Cancela II (clique para descarregar em formato png).
Figura 9 - Perfil do Algar da Cancela II (clique para descarregar em formato png).

Equipagem da cavidade

A ficha de equipagem da cavidade encontra-se no perfil (ver figura 9).

Enquadramento Geológico

De acordo com a folha 27-C da Carta Geológica de Portugal  à escala 1:50000 (Manupella et al), a gruta desenvolve-se na formação de Camadas de Cabaços e Montejunto, datada do andar Oxfordiano médio a Superior (da Época Jurássico Superior). As camadas apresentam-se localmente bastante dobradas, embora de forma irregular, denunciando uma zona de maior deformação, o que não será estranho a proximidade ao cavalgamento do Arrife, situado a cerca de 650m a Sul da gruta (ver Figura 10). A área apresenta também várias falhas subparalelas ao Arrife (NNW-SSE a NW-SE) embora algumas virem depois para Norte ou para Oeste.

A título de curiosidade refira-se que o cavalgamento do Arrife, embora provoque uma vertente de comando considerável, com cerca de 300m, não apresenta a mesma verticalidade que outras falésias do Arrife, mercê de parte da vertente ser constituída por terrenos terrígenos do Jurássico Superior, que não conseguem manter vertentes subverticais.

Figura 10 - Implantação da planta do Algar da Cancela II em extrato da folha 27-C da Carta Geológica de Portugal à escala 1/50000.
Figura 11 - Implantação da planta do Algar da Cancela II em extrato da folha 27-C da Carta Geológica de Portugal, a escala maior.

Controlo Estrutural

A gruta apresenta um controlo estrutural sobretudo pela atitude das camadas, com exceção da zona terminal. As camadas têm atitude aproximada N40E/30E, seguindo a galeria ora a direção ora a inclinação em troços aproximadamente perpendiculares. A principal direção de desenvolvimento da galeria é próxima da direção das camadas. O troço terminal da galeria, porém, é controlado por descontinuidade de atitude aproximada N70W/Subvertical, que por coincidir com falha cartografada (ver figura 11) consideramos uma falha.

Génese e Evolução

A gruta formou-se na zona freática de acordo com a definição de Bögli. (1980), como o comprovam a secção arredondada das galerias, vagas de erosão, cúpulas e canais de teto. As vagas de erosão têm um comprimento aproximado geralmente entre 0,4 e 1.0m, com o comprimento mais comum a situar-se entre 0,6 e 0,7m. A maioria das vagas são simétricas, porém algumas apontam para a boca da gruta, indicando um antigo sentido de circulação de água NE-SW.

A gruta posteriormente assoreou, daí resultando os abundantes depósitos de argila que preenchem a maior parte do espaço da galeria. Depois, por uma descida relativa do nível de base, a cavidade passou da zona freática para a zona vadosa inativa.

O Algar da Cancela II marca um antigo nível de circulação de água que atualmente se encontra à cota aproximada de 280-285m. A entrada da gruta poderá ser uma antiga nascente, como sugerido pelo seu aspeto freático, proximidade ao cavalgamento do Arrife e contacto do MCE com terrenos não cársicos. Recordamos a nascente de Alcobertas, situada a pouco mais de 3 Km a SW do Algar da Cancela II, que é uma nascente permanente atual, situada em contexto geológico similar (formada em terrenos do Jurássico Superior e junto ao contacto do MCE com terrenos não cársicos).

Conclusões

O Algar da Cancela II é uma gruta de origem freática, que marca um antigo nível de circulação, atualmente à cota aproximada de 280-285m, e que se desenvolveu em Calcários do Jurássico Superior. A cavidade tem um desenvolvimento total de 152m, 133m de projeção horizontal e -25m de desnível. A gruta é controlada sobretudo pela direção das camadas e, na sua zona terminal, por uma falha. A boca da gruta poderá ter sido uma antiga nascente.

Equipa de Trabalho de Campo

A equipa de trabalho de campo foi constituída, por ordem alfabética, por Afonso Rodrigues (AESDA/GEM/CEAE), Catarina Teixeira (GEM), Filipe Alves (GEM), Filipe Castro (GEM), Paulo Lopes (GEM) e Pedro Cardoso (GEM/NECA).

Referências  bibliográficas

  • Bögli, A. (1980), Karst Hydrology and Physical Speleology, Springer-Verlag, Berlin Heildelberg New York.
  • Crispim, J.A (1995). Dinâmica Cársica e Implicações Ambientais nas Depressões de Alvados e Minde. Tese de Do utoramento em Geologia, especialidade de Geologia do Ambiente. Departamento de Geologia. Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa.
  • Ferreira, Jaime Martins, (1962), Nota sobre o Algar da Cancela II, Separata do Boletim da Sociedade Portuguesa de Espeleologia, Vol. II, nº1.
  • Manupella, G., Barbosa, B, C.A., Azerêdo, Carvalho J,; Crispim, J., Machado S.; Sampaio J.; (2006). Carta Geológica de Portugal –Torres Novas, Folha 27-C, á escala 1:50000, e Nota Explicativa, Instituto Nacional de Engenharia, Tecnologia e Inovação, Lisboa.