Rodrigues, Afonso 1 – Introdução e Localização, Resenha Histórica, Descrição e Topografia
- Grupo de Espeleologia e Montanhismo, Rua General Pereira de Eça, nº30, 2380-075 Alcanena
- Núcleo dos Amigos das Lapas Grutas e Algares
- Comissão Científica da Federação Portuguesa de Espeleologia,Estrada Calhariz de Benfica, 187, 1500-124 Lisboa
Introdução e Localização
O algar da Cancela II encontra-se no Maciço Calcário Estremenho (MCE), na encosta da Cancela, uma vertente de uma elevação situada perto do limite Sul do MCE, entre a Serra dos Candeeiros e o Polge da Mendiga, não muito longe da localidade de Xartinho. As coordenadas geográficas (WGS84) da entrada da gruta são: Latitude 39,44497º, Longitude -8,87281º e Z aproximado de 297 metros.
Resenha Histórica
Durante os trabalhos foi possível apurar a existência de 2 campanhas de trabalho históricas nesta gruta, embora nos pareça muito provável que a gruta tenha tido bastante visitação e trabalho não documentado. Por ordem cronológica, do que foi possível apurar:
- Ferreira (1962) apresenta numa separata do boletim da SPE (Sociedade Portuguesa de Espeleologia) uma nota sobre a gruta, com situação geográfica, geologia local, espeleogénese, espeleomorfologia e um perfil da parte inicial da gruta, incluindo o poço de entrada. O acesso ao restante da cavidade é marcado com um ponto de interrogação. Admite-se que posteriormente à topografia tenha sido feita uma desobstrução nessa zona, dando acesso ao resto da cavidade. De salientar a qualidade do artigo. Como nota refira-se que a melhor descrição da entrada da gruta: “algar-rampa” encontra-se neste artigo.
- A gruta foi visitada por espeleólogos do GEM e da AESDA (Associação de Estudos Subterrâneos e Defesa do Ambiente) em 2017. Após essa visita um grupo de espeleólogos de várias associações procede a laboriosos trabalhos de desobstrução e à topografia da gruta (que se encontra nas Figuras 3 e 4) Agradecemos a Bruno Pais (AESDA) a cedência da topografia e a ajuda na resenha histórica. Esta é a primeira topografia integral conhecida da gruta. Os nomes da equipa de campo e dos autores da topografia podem ser consultados nas Figuras 3 e 4.
Descrição
A partir da entrada, vertical e arredondada, que a SE abre numa cornija (Ferreira, 1962), desce-se uma série de ressaltos que conduzem a um salão com fundo de blocos e teto/paredes marcados profundamente por dissolução espongiforme, com alguma concreção associada. O conjunto de poços e ressaltos tem cerca de 20m de desnível. No extremo Sul da sala há um pequeno poço colmatado por pedras, correspondendo ao ponto mais profundo da cavidade. A gruta continua para Norte, subindo-se um manto estalagmítico numa zona bastante concrecionada; prossegue-se por uma passagem baixa e relativamente discreta, sendo o troço seguinte mais estreito e lamacento. Passam-se várias pequenas salas com marmitas de teto reveladoras de antiga circulação sob pressão, vendo-se também prateleiras suspensas de calcite formadas quando as condutas terão estado assoreadas.
Existe uma galeria que se ramifica novamente para Sul, terminando muitíssimo perto do extremo de outro pequeno meandro, e põe-se a hipótese de ter existido comunicação passada. Veem-se vagas de erosão de dimensão decimétrica em várias das passagens. Eventualmente atinge-se um ressalto quase vertical para uma sala de maior dimensão, onde se veem canais de teto bem proeminentes.
Nesta zona a cavidade muda de configuração, dando os tubos de pressão lugar a duas/três grandes descontinuidades verticais alargadas cobertas de coraloides, tendo este tramo final aspeto de génese vadosa. O teto das passagens estará muito perto da superfície, e existe uma raiz impressionante a atravessar a diaclase (ou falha) principal; além disso, sente-se uma pequena corrente de ar no fundo, possivelmente de uma segunda entrada inacessível.
Espeleometria
Uma nova topografia da gruta foi realizada tendo-se obtido os seguintes dados de espeleometria:
- desenvolvimento total: 152m;
- projeção horizontal: 133m;
- desnível: -25m.
Os dados espeleométricos são compatíveis com a topografia cedida por Bruno Pais.
Equipagem da cavidade
A ficha de equipagem da cavidade encontra-se no perfil (ver figura 9).
Enquadramento Geológico
De acordo com a folha 27-C da Carta Geológica de Portugal à escala 1:50000 (Manupella et al), a gruta desenvolve-se na formação de Camadas de Cabaços e Montejunto, datada do andar Oxfordiano médio a Superior (da Época Jurássico Superior). As camadas apresentam-se localmente bastante dobradas, embora de forma irregular, denunciando uma zona de maior deformação, o que não será estranho a proximidade ao cavalgamento do Arrife, situado a cerca de 650m a Sul da gruta (ver Figura 10). A área apresenta também várias falhas subparalelas ao Arrife (NNW-SSE a NW-SE) embora algumas virem depois para Norte ou para Oeste.
A título de curiosidade refira-se que o cavalgamento do Arrife, embora provoque uma vertente de comando considerável, com cerca de 300m, não apresenta a mesma verticalidade que outras falésias do Arrife, mercê de parte da vertente ser constituída por terrenos terrígenos do Jurássico Superior, que não conseguem manter vertentes subverticais.
Controlo Estrutural
A gruta apresenta um controlo estrutural sobretudo pela atitude das camadas, com exceção da zona terminal. As camadas têm atitude aproximada N40E/30E, seguindo a galeria ora a direção ora a inclinação em troços aproximadamente perpendiculares. A principal direção de desenvolvimento da galeria é próxima da direção das camadas. O troço terminal da galeria, porém, é controlado por descontinuidade de atitude aproximada N70W/Subvertical, que por coincidir com falha cartografada (ver figura 11) consideramos uma falha.
Génese e Evolução
A gruta formou-se na zona freática de acordo com a definição de Bögli. (1980), como o comprovam a secção arredondada das galerias, vagas de erosão, cúpulas e canais de teto. As vagas de erosão têm um comprimento aproximado geralmente entre 0,4 e 1.0m, com o comprimento mais comum a situar-se entre 0,6 e 0,7m. A maioria das vagas são simétricas, porém algumas apontam para a boca da gruta, indicando um antigo sentido de circulação de água NE-SW.
A gruta posteriormente assoreou, daí resultando os abundantes depósitos de argila que preenchem a maior parte do espaço da galeria. Depois, por uma descida relativa do nível de base, a cavidade passou da zona freática para a zona vadosa inativa.
O Algar da Cancela II marca um antigo nível de circulação de água que atualmente se encontra à cota aproximada de 280-285m. A entrada da gruta poderá ser uma antiga nascente, como sugerido pelo seu aspeto freático, proximidade ao cavalgamento do Arrife e contacto do MCE com terrenos não cársicos. Recordamos a nascente de Alcobertas, situada a pouco mais de 3 Km a SW do Algar da Cancela II, que é uma nascente permanente atual, situada em contexto geológico similar (formada em terrenos do Jurássico Superior e junto ao contacto do MCE com terrenos não cársicos).
Conclusões
O Algar da Cancela II é uma gruta de origem freática, que marca um antigo nível de circulação, atualmente à cota aproximada de 280-285m, e que se desenvolveu em Calcários do Jurássico Superior. A cavidade tem um desenvolvimento total de 152m, 133m de projeção horizontal e -25m de desnível. A gruta é controlada sobretudo pela direção das camadas e, na sua zona terminal, por uma falha. A boca da gruta poderá ter sido uma antiga nascente.
Equipa de Trabalho de Campo
A equipa de trabalho de campo foi constituída, por ordem alfabética, por Afonso Rodrigues (AESDA/GEM/CEAE), Catarina Teixeira (GEM), Filipe Alves (GEM), Filipe Castro (GEM), Paulo Lopes (GEM) e Pedro Cardoso (GEM/NECA).
Referências bibliográficas
- Bögli, A. (1980), Karst Hydrology and Physical Speleology, Springer-Verlag, Berlin Heildelberg New York.
- Crispim, J.A (1995). Dinâmica Cársica e Implicações Ambientais nas Depressões de Alvados e Minde. Tese de Do utoramento em Geologia, especialidade de Geologia do Ambiente. Departamento de Geologia. Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa.
- Ferreira, Jaime Martins, (1962), Nota sobre o Algar da Cancela II, Separata do Boletim da Sociedade Portuguesa de Espeleologia, Vol. II, nº1.
- Manupella, G., Barbosa, B, C.A., Azerêdo, Carvalho J,; Crispim, J., Machado S.; Sampaio J.; (2006). Carta Geológica de Portugal –Torres Novas, Folha 27-C, á escala 1:50000, e Nota Explicativa, Instituto Nacional de Engenharia, Tecnologia e Inovação, Lisboa.
