Artigo_Alecrineiros21
Algares do Cabeço dos Alecrineiros - Parte XXI
31 de Março de 2020

Ribeiro, José 1,2; Lopes, Samuel 1,4; Rodrigues, Paulo 1,2,3

  1. Grupo de Espeleologia e Montanhismo, Rua Maria Veleda, 6, 7ª Esq, 2650-186, Amadora, Portugal
  2. Núcleo dos Amigos das Lapas Grutas e Algares 
  3. Comissão Científica da Federação Portuguesa de Espeleologia
  4. Wind-CAM – Centro de Atividades de Montanha, Rua Eduardo Mondelane, lj44, 2835-116 Baixa da Banheira

 

Introdução

Olá amigos! Tempos difíceis vivemos, com a propagação deste maldito Coronavirus 19. Parámos todas as nossas atividades como em quase tudo nas nossas vidas, mas ainda assim o projeto vai avançando, agora com o trabalho de casa daquilo que fizemos à uns tempos atrás “por esses Alecrineiros fora”…
 
Para esta publicação deslocámo-nos para uma zona mais a Noroeste dos Alecrineiros: a zona do Algar Boca Larga V. Andámos “entretidos” em vários algares, ora desobstruindo, ora explorando e muita prospeção temos feito.
 
Apresentamos nesta publicação os seguintes algares, fruto de muito trabalho: Algar das Pedras, Algar Apertadinho, Algar do Alecrim, Algar Shiny e um pequeno relato dos trabalhos efetuados até à data no Algar Boca Larga V.
Figura 1 - Localização dos algares, tendo como referência, o grande campo de lapiás ali existente.

Adverte-se também e mais uma vez que, para sua proteção e da própria cavidade, o espeleólogo tem de ter obrigatoriamente formação!!!

Algar das Pedras

A este chegámos graças à partilha do António Afonso (A.R.C.M.). É pequeno e deu-nos muito mais trabalho a encontrá-lo do que o próprio trabalho de exploração e topografia. Mas foi graças a procurá-lo que encontrámos outros…

Figura 2 – Entrada do Algar das Pedras
(Foto: Marco Matias – GEM
Descrição:

Acede-se ao algar por uma pequena entrada com cerca de 0,5m x 0,3m. Segue-se um poço de 4m, com paredes de muita argila e um pouco instável no seu inicio. Até praticamente à sua base tem uma estrutura que o divide. A base é de muita argila e algumas pedras, tem pequena inclinação no sentido NO, por onde se desenvolve. Segue-se um pequeno recanto onde o teto se eleva cerca de 3m e nas paredes vemos bonitas formas de reconstrução. Um pequeno manto no solo onde se entende que em alturas de chuva deve acumular água, o chão aqui também é de argila.

Geologia:
A gruta aparenta ter um controlo estrutural por uma família de fraturas de direcão grosseira NW–SE, subverticais. As camadas regionalmente têm direção aproximadamente NW–SE e inclinação suave para Sul. A gruta desenvolve-se em calcários da formação de Calcários Micríticos da Serra de Aires datada do andar Batoniano, do Jurássico Médio.
 
A gruta aparenta tratar-se de um “vadose shaft” de acordo com a definição de Baron, 2003, sendo grutas com desenvolvimento essencialmente vertical que conduzem a água do epicarso para as zonas mais profundas do carso.
Presente:
E já está, mais um e os pequenos também são importantes…
Figura 3a - Planta do Algar das Pedras
Figura 3b - Perfil desdobrado do Algar das Pedras
Figura 3c - Ficha de equipagem do Algar das Pedras
Fotos do Algar das Pedras por Marco Matias (GEM)
Algar Apertadinho
A caminho do algar das pedras demos com este. Verificámos que não estava cadastrado, mas também compreendemos pois os algares perto dos caminhos são sempre mais fáceis de encontrar, e aqui no meio deste mato…
Figura 4 – Entrada do Algar Apertadinho (Foto: Marco Matias – GEM)
Descrição:
Numa descontinuidade bem visível à superfície no seu canto mais a SE, abre-se o algar numa pequena fenda, como o nome do algar indica, bem apertadinha. Segue-se um poço de 7m, alargando consoante se desce. Perto do meio da descida encontra-se um pequeno patamar no sentido NO, com argila e cascalheira e algumas formas de reconstrução. A base do poço de argila e cascalho, apresenta no sentido NE um recanto em forma de poço mas sem progressão possível.
Já no sentido O, o algar prossegue com inclinação no mesmo sentido e fechando um pouco mais a frente. No mesmo sentido existe uma pequena passagem na parede a SO que após desobstrução revelou uma sala bastante irregular com variadíssimas formas de reconstrução. No centro de um grande mato calcítico, existe um poço de 4m que nos leva à parte inferior desta mesma sala, também com muitas formas de reconstrução. Apesar de seco, nota-se que o solo tem acumulação de água em épocas mais chuvosas, terminando aqui o algar.
Geologia:
A gruta aparenta ter um controlo estrutural por duas famílias de fraturas de direcão grosseira NW–SE e NE-SE, subverticais. As camadas regionalmente têm direção aproximadamente NW–SE e inclinação suave para Sul. A gruta desenvolve-se em calcários da formação de Calcários Micríticos da Serra de Aires datada do andar Batoniano, do Jurássico Médio.
 
A gruta aparenta tratar-se de um “vadose shaft” de acordo com a definição de Baron, 2003, sendo grutas com desenvolvimento essencialmente vertical que conduzem a água do epicarso para as zonas mais profundas do carso.
Presente:
Interessante este pequeno algar, muito bonita aquela pequena sala, cheia de formas de reconstrução.
 
A adrenalina que se sente no “desbravar” do desconhecido, enfim… Mais um cadastrado e agora por nós publicado.
Figura 5a - Planta do Algar Apertadinho
Figura 5b - Perfil desdobrado do Algar Apertadinho
Figura 5c - Ficha de equipagem do Algar Apertadinho
Fotos do Algar Apertadinho por Marco Matias (GEM)
Algar do Alecrim
Mais um algar, ao qual chegámos graças à partilha das coordenadas cedidas pelo António Afonso (A.R.C.M.). Não foi difícil encontrá-lo e ficámos inclusive bastante surpreendidos…
Figura 6 – Entrada do Algar do Alecrim (Foto: Marco Matias – GEM)
Descrição:
A entrada do algar situa-se muito perto de numa zona de abatimento, é de forma quase retangular tendo aproximadamente 2m x 1m. Segue-se uma rampa muito acentuada com cerca de 2m. “Aterramos” numa sala com pequeno recanto a ENE, mas desenvolvendo-se maioritariamente no sentido NNO. No mesmo sentido ao fim de um pouco temos um ressalto que quase divide a sala, com o chão de cascalheira de várias dimensões, e após novo ressalto desce no sentido NNO. O teto também tem inclinação mas menos acentuada em relação ao chão. No recanto a NO existe uma fenda no chão que liga a outro tramo do algar, mas no sentido ENE, onde existem algumas formas de reconstrução muito “senis” e uma passagem um pouco estreita que dá acesso a nova sala de tecto irregular com algumas formas de reconstrução. O chão inicialmente descendo muito no sentido ENE e aligeirando de seguida, percebe-se nesta pequena sala uma pequena continuidade que liga à zona inferior do algar, no sentido SO.
Regressando à sala inicial verificamos na zona a SO a existência de uma cabeceira de poço de 6m, sendo apertadinha mesmo após desobstrução. Após o início da descida vemos que alarga e observa-se a fenda atrás descrita no sentido NNE. A base do poço é inclinada no sentido NO com muita argila e cascalheira. Aí, passando por uma apertada fenda sempre no sentido descendente o algar contínua agora no sentido SE. Sente-se aqui a passagem de ar, e vencendo alguns destrepes no sentido NE, sempre apertados, verificamos possíveis passagens que só serão ultrapassadas com desobstrução, mas percebe-se a existência de espaço oco a SE.
Na verdade estamos a passar por debaixo da sala inicial e continuando mais um pouco no sentido NE chegamos a uma pequena sala com chão muito irregular de vários blocos. O teto, também irregular, no seu término eleva-se um pouco, acabando aí o algar.
Geologia:
A gruta desenvolve-se em calcários da formação de Calcários Micríticos da Serra de Aires datada do andar Batoniano, do Jurássico Médio.  As camadas regionalmente têm direção aproximadamente NW–SE e inclinação suave para Sul.
Presente:
Pequeno mas surpreendente este algar. Lá em baixo a passagem de ar não é forte mas é visível a continuação. Talvez com tempo, mas estamos em tantas “frentes”… quem sabe um dia.
Por ora está no cadastro da federação e por nós aqui publicado para todos.
Figura 7a - Planta do Algar do Alecrim
Figura 7b - Perfil desdobrado do Algar do Alecrim
Figura 7c - Ficha de equipagem do Algar do Alecrim
Fotos do Algar do Alecrim por Marco Matias (GEM)
Algar Shiny
De regresso do trabalho iniciado no algar do Alecrim, já nem era dia mas também não era noite, avançando em direção ao algar de Boca Larga V tropeçámos neste algar no meio de um silvado. Ali estava ele à nossa espera…
Descrição:
Figura 8 – Entrada do Algar Shiny (Foto: Jorge Faustino – GEM)
A entrada do algar estava tapada com um grande silvado que agora não é visível na figura 8, pois tratámos de o limpar. Tem cerca de 1,5m x 1m, alguns blocos e argila mas é bastante estável. Segue-se um poço de 8m que alarga perto da base,  esta composta de cascalheira e argila e com inclinação, tratando-se de um cone de dejeção pouco acentuado. No sentido S, uma pequena passagem que, após subirmos um pouco numa passagem não muito apertada e com algumas formas de reconstrução,  vira no sentido NO. Aqui percebe-se que entramos numa descontinuidade por onde se vai desenvolver o algar. O teto sobe e mais à frente temos novo poço de 4m, onde o teto desce um pouco mas volta a abrir. A base deste poço é de grandes blocos e muita argila, e percebe-se aqui a passagem em dois locais para o nível inferior.
Continuamos a progressão no sentido NO, voltamos a ter contacto com o nível inferior em várias zonas no sentido de progressão, com as paredes forradas de varias formas de reconstrução e o teto irregular mas digno de se ver. À frente vemos uma pequena sala, se assim lhe podemos chamar, onde o algar alarga um pouco. É curiosa esta pequena sala: num chão muito irregular,  de inicio temos formas de reconstrução em que aparenta ter havido uma contenção de água, e o teto é demasiado irregular. No sentido ENE temos um pequeno recanto. Nesta zona rica em calcite e de várias formas de reconstrução, sobressai um poço de 7m, em que no seu final verificamos acumulação de água. Regressando ao inicio da sala e novamente no sentido NO, uma nova passagem que, após desobstrução, nos leva a um novo poço de 7m. Aqui nota-se a NO um pequeno recanto com diversas estalactites e estalagmites, e mais a baixo a base do poço.
Aqui entramos numa zona de caos de blocos. No sentido NO, um pequeno recanto fecha poucos metros a seguir. Já no sentido SE o algar desenvolve-se numa zona muito irregular onde se percebe claramente que estamos a regredir na descontinuidade num nível inferior. Inicialmente entre os blocos temos dois poços de 4m que nos levam a mesma base. Tentou-se a desobstrução mas nada. Mais a frente, no sentido de progressão, uma nova desobstrução agora “desbloqueando” a argila, chegamos a uma pequena sala com alguma concentração de água e várias ossadas, onde termina o algar. Verificamos também a existência de ligação com o nível superior.
Geologia:
A gruta aparenta ter um controlo estrutural por duas famílias de fraturas, uma predominante de direção grosseira NW–SE e outra com menor predominância de direção aproximada NE-SE, subverticais. As camadas regionalmente têm direção aproximadamente NW–SE e inclinação suave para Sul. A gruta desenvolve-se em calcários da formação de Calcários Micríticos da Serra de Aires datada do andar Batoniano, do Jurássico Médio.
A gruta aparenta tratar-se de um “vadose shaft” de acordo com a definição de Baron, 2003, sendo grutas com desenvolvimento essencialmente vertical que conduzem a água do epicarso para as zonas mais profundas do carso.
Presente:
Curioso este algar. Aparentemente leva a crer que nunca tenha sido explorado. Mais importante que tudo é que a própria exploração leva a que sejam criadas novas gerações de futuros espeleólogos, é que não somos assim tantos…
Figura 9a - Planta do Algar Shiny
Figura 9b - Perfil desdobrado do Algar Shiny
Figura 9c - Ficha de equipagem do Algar Shiny
Fotos do Algar Shiny por Jorge Faustino (GEM)

Algar Boca Larga V

Amigos, já publicámos as aventuras que aqui tivemos neste algar em 2018, mas a corrente de ar continua… e como tal nunca nos esquecemos!!!  Ora com a ajuda de todos continuámos e mostramos aquilo que tem sido feito, numa desobstrução nada fácil apesar do “sopro” gelar qualquer um.
 
No inicio desta campanha, se assim lhe podemos chamar, o Sam com uma equipe da WIND voltou a equipar o algar. Apesar de termos participado em bom número no inicio da desobstrução, agora esta está ao encargo de uma equipa pois o espaço é muito pequeno e muito frio devido à passagem muito forte de ar gélido, sendo essa equipa no momento formada por Hélio Frade (C.E.A.E.), Rui Pina (GEM) e Pedro Fazenda (NAMMI/AESDA).
 
Neste momento e após avaliação do Picatchu (Hélio Frade), muito graças à sua experiência em desobstruções, está-se a “atacar” uma fresta de onde vem o “grosso” da corrente de ar, havendo inclusive mais espaço para colocação da pedra que vai sendo retirada e colocada na base da pequena sala, onde inicialmente se pensou desobstruir.
 
Neste momento já se visualiza um patamar numa zona inferior onde se verifica mais largura para uma futura progressão. Colocámos aqui as poucas fotos que a malta tirou no dia da desobstrução.
É verdade amigos, são poucas fotos e não refletem o trabalho que ali está a ser feito nem o local da desobstrução. Com a adrenalina da desobstrução e o avançar dos trabalhos a máquina ficou “sabe-se lá onde”.
 
Mas o que interessa mesmo é isto:
O convivio e o estar na natureza, divulgando o que fazemos, para que talvez consigamos ajudar a preservar os Alecrineiros.
 
Temos de ter esperança, tal e qual com o que agora estamos a passar, certamente vamos valorizar muito mais cada momento que voltaremos a passar juntos, não que não o tenhamos feito mas agora o coração está tão apertadinho…
 
Abraço a todos e cuidem-se pois TUDO VAI FICAR BEM!!!!!!

Texto: José Ribeiro
Geologia: Paulo Rodrigues
Edição: Vitor Toucinho