Artigo_Alecrineiros22
Algares do Cabeço dos Alecrineiros - Parte XXII
13 de Maio de 2020

Ribeiro, José 1,2; Lopes, Samuel 1,4; Rodrigues, Paulo 1,2,3

  1. Grupo de Espeleologia e Montanhismo, Rua Maria Veleda, 6, 7ª Esq, 2650-186, Amadora, Portugal
  2. Núcleo dos Amigos das Lapas Grutas e Algares 
  3. Comissão Científica da Federação Portuguesa de Espeleologia
  4. Wind-CAM – Centro de Atividades de Montanha, Rua Eduardo Mondelane, lj44, 2835-116 Baixa da Banheira

 

Introdução

Ora cá estamos nós outra vez. Nesta publicação juntamos alguns algares, uns onde já se efetuaram trabalhos e sobre os quais já houve publicações sobre eles, outros graças à partilha de coordenadas pelo António Afonso (ARCM), e outros que fomos encontrando!
 

A saber: Algar dos Arames, Algar do Pneu, Algar do Trina, Algar do Casal Velho e Algar dos Algareiros.

Figura 1 – Localização dos algares tendo como referência a estrada que liga Cabeço das Pombas a São Bento (seta vermelha)
Algar dos Arames
Decorria o mês de Fevereiro de 2015, uma equipa de espeleólogos: Sandra Lopes (GEM/CEAE), António Afonso (ARCM) e Andreia Monteiro (CEAE) aproveitando a deslocação ao Algar do Laçarote e ao Algar da Bajanca para monitorização de morcegos, decidiram efetuar a topografia deste algar, e bem!
Figura 2 – Entrada do Algar dos Arames (Foto: José Ventura – GEM)
Descrição:
O nome dos arames advém dos arames que se encontram junto à sua entrada e dentro da cavidade. De acesso fácil foi muito utilizado como vazadouro, encontrando-se também restos de animais e frascos de vacinas no seu interior.
Trata-se de uma pequena cavidade, com cerca de 22m de profundidade e uma extensão que ronda os 20m.
Geologia:
O algar desenvolve-se segundo a folha 27-C da Carta Geologica de Portugal à escala 1/50000 na formação dos Calcários Bioclásticos de Codaçal, datada do Batoniano (Jurássico Médio). O desenvolvimento da gruta é de um modo grosseiro NW-SE e situa-se proximo de uma das falhas, intruidas por rochas ígneas, de direção aproximada NW-SE que cortam o planalto. As camadas regionalmente têm direção aproximadamente NW–SE e inclinação suave para Sul. A gruta aparenta ter um controlo estrutural por uma de fratura de direção grosseira NW–SE, com inclinação subvertical.
A gruta aparenta tratar-se de um “vadose shaft” de acordo com a definição de Baron, 2003, embora algo incipiente. Os “vadose shaft” são grutas com desenvolvimento essencialmente vertical que conduzem a água do epicarso para as zonas mais profundas do carso.
Presente:
Já existe uma publicação na revista Meandro nº3 de 2017 deste algar de onde “colhemos” as topografias e o texto.
Contudo fizemos uma breve visita recentemente com o objetivo de elaborarmos uma ficha de equipagem e um pequeno levantamento fotográfico. Reparámos também que foi feito um trabalho de desobstrução que adicionou mais uns metros à topografia. Uma pequena passagem estreita, um poço com patamar e por baixo um caus de blocos que se vai descendo em destrepe, até não ser mais humanamente possível progredir.
Fica registado na topografia já existente em tracejado e com respetivo símbolo de desobstrução. Desconhecemos quem por aqui andou na “labuta”…
Figura 3a - Planta do Algar dos Arames
Figura 3b - Perfil desdobrado do Algar dos Arames
Figura 3c - Ficha de equipagem do Algar dos Arames
Fotos do Algar dos Arames por Jorge Faustino (GEM)
Fotos do Algar dos Arames por José Ventura (GEM)
Algar do Pneu
Agarrámos mais uma coordenada que o Tó nos enviou e foi fácil dar com este, mesmo ali à beira do caminho, debaixo de um chouso e com um pneu a tapar a entrada “tal e qual”…
Figura 4 - Entrada do Algar do Pneu (Foto: Jorge Faustino - GEM)
Figura 4 - Entrada do Algar do Pneu (Foto: Jorge Faustino - GEM)
Figura 5 - Zona envolvente do Algar do Pneu (Foto: Jorge Faustino - GEM)
Descrição:
O algar abre-se à superfície, mesmo debaixo de um chouso que atravessa a sua entrada. Dentro do terreno a abertura está selada com grandes blocos. Já do lado do estradão uma pequena abertura com cerca de 1m x 0,5m dá acesso à gruta. Segue-se um poço de 9m que alarga à medida que se aproxima da base, notando-se uma descontinuidade no sentido ONO-ESE. Junto à base volta a estreitar, esta é de argila e alguns calhaus onde já se começa a reparar no lixo e nas ossadas. Após um pequeno ressalto de 1m o algar prossegue no sentido E com teto alto e o chão com inclinação no mesmo sentido. Aqui estamos num autentico “cemitério” mas acompanhado de muito lixo. O cheiro é nauseabundo sendo muito difícil a permanência no algar. Abre-se uma sala com várias formas de reconstrução, o chão é irregular com alguns ressaltos. No sentido SE vemos um recanto em zona mais elevada e sem lixo nem ossadas onde termina a progressão.
Na mesma sala no sentido NO, temos um pequeno poço de 2m onde termina o algar, com o chão carregado de ossadas e lixo por estar próximo da base do poço de entrada. Visualizamos também junto à base do poço de entrada uma pequena fenda no sentido SSO onde poderá eventualmente haver uma possível continuação, mas o cheiro tornou-se insuportável.
Geologia:
A gruta aparenta ter um controlo estrutural por duas famílias de fraturas de direcão grosseira N–S e E–W, ambas com inclinação subvertical. As camadas regionalmente têm direção aproximadamente NW–SE e inclinação suave para Sul, localmente são subhorizontais. A gruta desenvolve-se em calcários da formação de Calcários Bioclásticos do Codaçal, do Batoniano do Jurássico Médio.
 
A gruta aparenta tratar-se de um “vadose shaft” de acordo com a definição de Baron, 2003, sendo grutas com desenvolvimento essencialmente vertical que conduzem a água do epicarso para as zonas mais profundas do carso.
Presente:
Meu Deus, que cheiro a “morte”! Ao inicio nem cheirava mal mas à medida que fomos topografando e pisando aqueles sacos, o mais certo estarem cheios de vísceras, tornou-se impossível. É uma pena, mas é o que temos…
 
Bom, este também ficou cadastrado e topografado, agora por nós publicado para que se tenha conhecimento…
Figura 6a - Planta do Algar do Pneu
Figura 6b - Perfil desdobrado do Algar do Pneu
Figura 6c - Ficha de equipagem do Algar do Pneu
Fotos do Algar do Pneu por Filipe Castro (GEM)
Fotos do Algar do Pneu por Jorge Faustino (GEM)
Algar do Trina
Figura 7 – Entrada do Algar do Trina (Foto: Filipe Castro – GEM)
Ora que agradável surpresa, mais uma coordenada que o António Afonso (ARCM) partilhou, alias têm sido bastantes! Serviu para algo o nosso pedido feito no 7º Congresso de Espeleologia, aquando da apresentação do nosso projeto. É esse o caminho Tó, quem não quiser partilhar que as guardem nos ficheiros secretos dentro das gavetas a ganhar o bolor…
Descrição: A boca do algar é pequena não chegando a 0,5m de diâmetro, instável e requer alguma preocupação. Segue-se um poço de 7m, algumas formas de reconstrução e ao aproximarmos-nos da base alarga um pouco, principalmente a ONO, onde existe UM pequeno recanto com caos de blocos. Nesta zona estamos em cima de um grande bloco em que a S termina na base de um poço muito apertado com várias pedras na sua base. Já no sentido NNE continua a progressão no algar, agora na maior sala deste pequeno algar.
A sala estende-se no sentido ENE. O teto é irregular tal e qual o chão que é um caos de blocos. Existem diversas formas de reconstrução tornando a zona muito bonita. Mais à frente e no sentido ENE a progressão afunila num conjunto de trepes e destrepes, zona sempre muito concrecionada e de muita beleza terminando uns metros à frente numa sala de pequenas dimensões, sala essa rica em formas de reconstrução, na base de vários blocos e muita calcite deslumbra-se pequenas fissuras mas sem corrente de ar, terminando aqui o algar.
Geologia:
A gruta aparenta ter um controlo estrutural por uma família de fraturas de direção grosseira NE–SW, com inclinação subvertical. As camadas regionalmente têm direção aproximadamente NW–SE e inclinação suave para Sul, sendo localmente subhorizontais. A gruta desenvolve-se em calcários da formação Calcários Bioclásticos do Codaçal, datada do Batoniano do Jurássico Médio.
A gruta aparenta tratar-se de um “vadose shaft” de acordo com a definição de Baron, 2003, apresentando caneluras de dissolução, sendo estas grutas com desenvolvimento essencialmente vertical que conduzem a água do epicarso para as zonas mais profundas do carso.
Presente:
Que agradável surpresa este pequeno algar, rico em formas de reconstrução. Uma alegria presenciarmos espaços tão agradáveis e únicos, valeu bem a pena e ficou cadastrado e topografado para conhecimento geral.
Figura 8a - Planta do Algar do Trina
Figura 8b - Perfil desdobrado do Algar do Trina
Figura 8c - Ficha de equipagem do Algar do Trina
Figura 8c - Ficha de equipagem do Algar do Trina
Fotos do Algar do Trina por Filipe Castro (GEM)
Fotos do Algar do Trina por Jorge Faustino (GEM)
Algar Casal Velho I
Figura 9 – Entrada do Algar do Casal Velho I (Foto: Vítor Amendoeira – GEM)
Este algar foi explorado e topografado no mesmo dia que o Algar dos Arames, segundo o relato do Vítor Amendoeira.
Formando a equipa o Vítor Amendoeira, Tiago Matias, Denise Fialho e Ana Anjo, todos GEM. E foi um dia bem proveitoso, monitorização de morcegos e duas topografias. Espetáculo!
Descrição:
Entrada larga com Figueira a brotar na boca bem visível. Na zona abundam os cerrados e infelizmente este algar tem sido usado como depósito de cadáveres. A vertical de 21m termina num cone de blocos, enquanto depósito de lixo e cadáveres de animais. Um ressalto de 0,8m para uma pequena sala repleta de ossos. Para SW existe uma descontinuidade, esta também colmatada de ossos, que antevê um prolongamento.
 
Presente:
Também já existe uma publicação desde algar na revista Meandro nº3 de 2017, de onde aproveitamos o texto e as topografias. E mais um para o nosso projeto que vai crescendo…
Figura 10a - Planta do Algar Casal Velho I
Figura 10b - Perfil desdobrado do Algar Casal Velho I
Figura 10b - Perfil desdobrado do Algar Casal Velho I
Fotos do Algar Casal Velho I por Jorge Faustino (GEM)
Fotos do Algar Casal Velho I por Vitor Amendoeira (GEM)
Algar dos Algareiros
Figura 11 – Entrada do Algar dos Algareiros, assinalada pela seta (Foto: Rute Santos – GEM)
Tem-nos acontecido não poucas vezes enquanto trabalhamos nos algares, aproveitarmos o tempo para fazermos prospeção, e foi assim que encontrámos este.
Descrição:
Aproximadamente a meio do monte e no inicio de uma escarpa, se assim lhe podemos chamar, abre-se o algar à superfície em pleno campo de lapiás em mesa. Um caos de blocos, densa folhagem, uma bela parede e uma abertura muito irregular, com 2,5m x 0,5m, aproximadamente. Segue-se um poço de 4m com a base de terra e vários blocos. No sentido NO um grande bloco separa-nos da zona maior deste pequeno algar. Após ultrapassado um ressalto de 2m que praticamente divide a zona  estamos no fundo do algar, de cascalheira, onde encontramos dois pequenos recantos mas sem progressão possível. Se olharmos no sentido S, repara-se numa pequena prateleira a cerca de 2m do teto. Teto esse que tem uma nova abertura à superfície coberta com um bloco.
De regresso à base do poço de 4m, agora no sentido E, temos uma zona agora mais apertada e em parte debaixo de caos de blocos. O chão tem um desnível no sentido E, segue-se um pequeno ressalto com cerca de 1,5m, terminando ai o algar em fundo de cascalho. Nota-se uma abertura muito pequena, sensivelmente a meio do ressalto na parede no sentido E, de onde passa ar fresco, para já terminando ai este pequeno algar.
Geologia:
A gruta aparenta ter um controlo estrutural por uma  fratura de direção grosseira E–W, subvertical. As camadas regionalmente têm direção aproximadamente NW–SE e inclinação suave para Sul, sendo localmente horizontais. A gruta desenvolve-se em calcários da formação de Calcários Micríticos da Serra de Aires datada do andar Batoniano, do Jurássico Médio, sendo de referir a proximidade a uma falha de direção WNW-ESE, responsável pela escarpa onde se encontra a gruta.
A gruta aparenta tratar-se de um “vadose shaft” de acordo com a definição de Baron, 2003, sendo estas grutas com desenvolvimento essencialmente vertical que conduzem a água do epicarso para as zonas mais profundas do carso.
Presente:
Muito bonita a entrada do algar e bela a vista. Tivemos de andar a fugir das vacas para lá chegar. É verdade que são estas pequenas historias que nos fazem recordar, porque recordar é viver!
 
É pequeno mas interessante, e quem sabe se tem continuação. Ficou registado e agora partilhado.
Figura 12a - Planta do Algar dos Algareiros
Figura 12b - Perfil desdobrado do Algar dos Algareiros
Figura 12c - Ficha de equipagem do Algar dos Algareiros
Fotos do Algar dos Algareiros por Rute Santos (GEM)
E já está, mais 5 algares em que trabalhámos e publicámos. Breve chegaremos aos 100.
 
Aos poucos estamos a regressar com as devidas precauções, mas passado todo este tempo de “inércia”, onde tenho aproveitado para refletir um pouco, o que fica é o seguinte: Na cidade onde passo grande parte do tempo rodeado de pessoas e coisas tecnológicas e etc, tirando os momentos que estou com a minha querida família, sinto-me sempre sozinho. Aqui nos cabeços dos Alecrineiros, rodeado de coisas simples, de amigos, dos sons da natureza, daquele som do silêncio murmurado pelo vento, nunca estou sozinho…
 
Abraço e até a próxima!!!

Texto: José Ribeiro
Geologia: Paulo Rodrigues
Edição: Vitor Toucinho