Ribeiro, José 1,2; Lopes, Samuel 1,4; Rodrigues, Paulo 1,2,3
Grupo de Espeleologia e Montanhismo, Rua Maria Veleda, 6, 7ª Esq, 2650-186, Amadora, Portugal
Núcleo dos Amigos das Lapas Grutas e Algares
Comissão Científica da Federação Portuguesa de Espeleologia
Wind-CAM – Centro de Atividades de Montanha, Rua Eduardo Mondelane, lj44, 2835-116 Baixa da Banheira
Introdução
Um terrível incêndio devastou parte da Serra de Aire e Candeeiros no final do verão, deixando a zona dos Cabeços dos Alecrineiros maioritariamente queimada com um aspeto desolador, mas ao mesmo tempo expondo as bancadas de lapiás, e novas possibilidades.
Muita prospeção fizemos e muito quilometro “palmilhamos” em zonas onde até então era impossível aceder, e não se pense que foi fácil pois mesmo com a vegetação queimada o terreno é muito irregular e mesmo queimados os troncos dos carrascos dão muita luta. Valeu bem o esforço pois encontrámos vários algares que partilhamos para o conhecimento geral.
A saber, Algar da Cratera, Algar da Cratera II, Algar da Pedra Torta, Algar Cabrum e Algar Élá.
Figura 1 - Localização dos algares, tendo como referência o estradão que provém do cruzamento conhecido na zona como "Os 4 caminhos" (seta vermelha)
Adverte-se também e mais uma vez que, para sua proteção e da própria cavidade, o espeleólogo tem de ter obrigatoriamente formação!!!
Algar da Cratera
Na primavera tínhamos andado bem perto deste algar, mas a vegetação era tão densa que não conseguimos sequer lá chegar perto, agora sim e valeu bem a pena!
Figura 2 – Foto da entrada do Algar da Cratera (Foto: Filipe Castro – GEM)
Descrição:
O algar abre-se à superfície com uma boa abertura, fazendo lembrar uma “Meia Bajanca”, algar bem conhecido da maioria dos espeleólogos e por nós aqui já publicado. Tem aproximadamente 12m x 6m, sendo a descontinuidade no sentido NO-SE. Segue-se um poço com 27m que estreita conforme se desce. As suas paredes são lisas com alguns blocos bem presos e o musgo ali existente dá-lhe um aspeto muito bonito.
A cerca de 16m da entrada temos um grande bloco ali “entalado”, com bom patamar. Daí acedemos à base do poço, sendo esta de calhaus de várias dimensões e argila. A sua inclinação é inicialmente acentuada no sentido NNO-SSE e a meio da base vira no sentido ONO-ESE sem inclinação. Olhando para cima temos um deslumbre de grande beleza, observando-se o teto com duas aberturas separadas pelo grande bloco e as paredes forradas de musgo e os vários tons da pedra, muito bom!
Sensivelmente a meio da base temos uma pequena abertura no sentido NE-SO, onde após um pequeno destrepe de 2m chegamos a uma zona mais funda do algar, que está preenchida de muito calhau, terminando aí a nossa exploração.
Detetámos muita vida dentro deste algar: Morcegos, salamandras, vários insetos e efetuámos o resgate de um musaranho solitário.
Geologia:
A gruta aparenta ter um controlo estrutural por uma família de fraturas de direção grosseira NW–SE, com inclinação subvertical. As camadas regionalmente têm direção aproximadamente NW–SE e inclinação suave para Sul. A gruta desenvolve-se em calcários da formação de Calcários Micríticos da Serra de Aire, datada do Batoniano do Jurássico Médio.
A gruta aparenta tratar-se de um “vadose shaft” de acordo com a definição de Baron, 2003, apresentando caneluras de dissolução, sendo estas grutas com desenvolvimento essencialmente vertical que conduzem a água do epicarso para as zonas mais profundas do carso.
Presente:
Que espetácular o nosso inicio de atividade, foi de facto uma supresa tão agradável, foi de encher a alma e estava ali tão perto e tão inacessível antes deste terrível incendio, enfim…
Bom, está feito… e olhem, não posso deixar de falar da grande e ferrugenta armadilha de animais de grande porte que para ali foi atirada, à espera que os séculos a consumissem. E claro também do resgate do pequeno musaranho que assim que o libertámos ao Sol, depois de alimentado com um pedaço de maçã ali ficou a saborear o calor que tanta falta lhe fazia.
Figura 3a - Planta do Algar da Cratera
Figura 3b - Perfil desdobrado do Algar da Cratera
Figura 3c - Ficha de equipagem do Algar da Cratera
Fotos do Algar da Cratera por Filipe Castro (GEM), Marta Sequeira (GEM), Rui Pina (GEM) e Rute Santos (GEM)
Fotos do Algar da Cratera por António Afonso (ARCM)
Algar da Cratera II
Este estava mesmo ali ao lado, na mesma bancada de lapiás. Toda a minha gente a trabalhar…
Figura 4 – Entrada do Algar da Cratera II (Foto: António Afonso – ARCM)Descrição:
A entrada do algar não é uniforme, mas na generalidade tem aproximadamente 6m x 1,5m, no sentido ONO-ESE, a 4m da superfície há um patamar que ocupa grande parte do poço, estando preenchido com blocos de vários tamanhos. No canto mais a ONO prolonga-se o poço até à profundidade de 20m, tendo algumas reentrâncias no seu desenvolvimento, mas sem continuidade verificada. A base tem inclinação no sentido ESE, de pouca dimensão com cerca de 2m x 2m, sendo de cascalheira e argila. Segue-se uma bifurcação, no sentido SO-NE, após um pequeno ressalto temos pequeno oco em que se consegue estar de pé, com fundo de cascalheira e parede a NE com formas de reconstrução.
Já no sentido ESE, o algar desenvolve-se um bom par de metros depois de ultrapassar um ressalto de 2m numa zona mais estreita no sentido de progressão até se chegar a uma barreira de pedra de onde se deslumbra um poço apertado de 6m. A base é de argila e cascalheira e nesta pequena sala, se assim lhe podemos chamar, verificamos um inicio de desobstrução no sentido NNE. Depois de terminarmos a desobstrução segue uma nova pequena sala rica em formas de reconstrução, com base de argila e algumas pedras da própria desobstrução, seguindo no sentido NNE, subindo e afunilando, terminando aí o algar.
Geologia:
A gruta aparenta ter um controlo estrutural por uma família de fraturas de direção grosseira NW-SE, com inclinação subvertical. As camadas regionalmente têm direção aproximadamente NW–SE e inclinação suave para Sul. A gruta desenvolve-se em calcários da formação de Calcários Mícriticos da Serra de Aire, datada do Batoniano do Jurássico Médio.
A gruta aparenta tratar-se de um “vadose shaft” de acordo com a definição de Baron, 2003, apresentando caneluras de dissolução, sendo estas grutas com desenvolvimento essencialmente vertical que conduzem a água do epicarso para as zonas mais profundas do carso.
Presente:
E já está mais um. Deu trabalho sim. Verificámos pela desobstrução que já ali tinha estado alguém, não sabemos quem, pois no Cadastro Nacional de Cavidades não havia qualquer referência. Mas agora já há!
E fica aqui publicado e partilhado para o conhecimento de todos os espeleólogos, e para que os trabalhos não se repitam!
Figura 5a - Planta do Algar da Cratera II
Figura 5b - Perfil desdobrado do Algar da Cratera II
Figura 5c - Ficha de equipagem do Algar da Cratera II
Fotos do Algar da Cratera II por Rute Santos (GEM)
Fotos do Algar da Cratera II por Rui Pina (GEM) e António Afonso (ARCM)
Algar da Pedra Torta
Figura 6 – Entrada do Algar da Pedra Torta
(Foto: Pedro Fazenda – NAMMI/AESDA)
Mais um dia de prospeção e já numa zona mais a Oeste, uns quantos algares para se trabalhar. Divisão de equipas e siga…
Descrição:
Este algar tem duas pequenas entradas, desobstruímos a que nos pareceu melhor retirando a pedra torta, e não se pense que foi fácil, ficando a pequena entrada com cerca 0,5m x 0,3m, aproximadamente. Segue-se um poço de3 m com base de muita argila e alguns calhaus, zona já mais larga com cerca de 1,5m. No sentido E temos um pequeno corredor que vira no sentido NNE e ai termina após rampa de argila, afunilando até à outra entrada. Já no sentido S, observa-se uma fenda que nos leva a um poço de 8m. Por cima existe uma prateleira com vários blocos onde se vê passar a luz do Sol, em baixo a fenda aperta e após ultrapassada e já no poço verificamos descontinuidade no sentido SE. A base tem inclinação no sentido NO e é coberta de muito calhau, terminando aí o algar.
Geologia:
A gruta aparenta ter um controlo estrutural por duas famílias de fraturas de direção grosseira NW-SE e NE-SW, com inclinação subvertical. As camadas regionalmente têm direção aproximadamente NW–SE e inclinação suave para Sul. A gruta desenvolve-se em calcários da formação de Calcários Mícriticos da Serra de Aire, datada do Batoniano do Jurássico Médio.
A gruta aparenta tratar-se de um “vadose shaft” de acordo com a definição de Baron, 2003, apresentando caneluras de dissolução, sendo estas grutas com desenvolvimento essencialmente vertical que conduzem a água do epicarso para as zonas mais profundas do carso.
Presente:
Pequeno mas deu trabalho. Aquela base do poço final percebe-se que pode continuar mas é um trabalho de desobstrução lixado, pois não há espaço para colocar os calhaus. Enfim, mais um!
Figura 7a - Planta do Algar da Pedra Torta
Figura 7b - Perfil desdobrado do Algar da Pedra Torta
Figura 7c - Ficha de equipagem do Algar da Pedra Torta
Fotos do Algar da Pedra Torta por Teresa Cardoso (GEM)
Algar do Cabrum
Este foi noutro dia, noutra aventura, apesar de pequeno deu que fazer. Mesmo depois do incêndio o silvado não ajuda nada!
Figura 8 – Entrada do Algar Cabrum
(Foto: Filipe Castro – GEM)Descrição:
O algar tem uma entrada bastante “irregular” com cerca de 1m x 1m e um bloco a dividi-lo em duas passagens. Segue-se um poço de 5m com a base de cascalheira e muita argila desenvolvendo-se no sentindo E-O. Na zona mais a O temos um pequeno patamar, terminando aí este pequeno algar.
Geologia:
A gruta aparenta ter um controlo estrutural por uma família fraturas de direção grosseira E-W com inclinação subvertical. As camadas regionalmente têm direção aproximadamente NW–SE e inclinação suave para Sul. A gruta desenvolve-se em calcários da formação de Calcários Mícritos da Serra de Aire, datada do Batoniano do Jurássico Médio.
A gruta aparenta tratar-se de um “vadose shaft” de acordo com a definição de Baron, 2003, apresentando caneluras de dissolução, sendo estas grutas com desenvolvimento essencialmente vertical que conduzem a água do epicarso para as zonas mais profundas do carso.
Presente:
Este até prometia olhando assim de cima antes de desbastarmos o silvado queimado. Mas como muitos outros “foi sol de pouca dura”. Paciência, já está cadastrado e aqui publicado!
Figura 9a - Planta do Algar Cabrum
Figura 9b - Perfil desdobrado do Algar Cabrum
Figura 9c - Ficha de equipagem do Algar Cabrum
Fotos do Algar Cabrum por Filipe Castro (GEM)
Algar Élá
Que belo final de dia! Depois de um dia inteiro a vasculhar recantos de “pedra branca e pau queimado” ali estava ele à nossa espera, sereno como mais uma era se passasse.
Figura 10 – Entrada do Algar Élá
(Foto: Filipe Castro – GEM)
Descrição:
Na base de uma pequena elevação temos uma boa bancada, se assim lhe podemos chamar, e abre-se o algar à superfície com aproximadamente 2m x 1m no sentido ONO-ESE. Segue-se um poço de 7m com base de cascalheira e argila, e o teto nesta zona mantém da mesma forma. À frente no mesmo sentido segue uma rampa de 10m, alargando aqui o algar um pouco. Uns metros à frente temos um recanto com formas de reconstrução no sentido NE, já o chão inicialmente tem inclinação no sentido SSO mas vira para SE onde temos muito calhau de várias dimensões. Terminando aqui a zona de rampa com um ressalto, na base existe um pequeno oco no sentido NNO. À frente encontramos um bom bloco totalmente colmatado de calcite e com uma bela coluna e estalactites de várias dimensões. De referir que aqui o teto desceu bastante em relação à zona inicial, e aqui o algar tem boa largura.
Figura 11 – Zona de entrada do Algar Élá
(Foto: Filipe Castro – GEM)
A SO temos uma zona de teto baixo em que o chão é de muito calhau e na zona final “encosta” ao teto, não sendo possível qualquer progressão. Olhando para SE verifica-se um poço de 3m de pouca dimensão sendo o fundo de argila e algumas ossadas. No mesmo sentido mas um pouco à esquerda em progressão, um belo patamar com ricas e variadas formas de reconstrução, sobressaindo as estalagmites.
Zona em que se avança subindo, as paredes são forradas maioritariamente de calcite, excetuando zona a NE, uma reentrância com bom blocos e argila. Aqui o algar vai “afunilando, muita estalactites e estalagmites, o chão de calcite e uns belos e pequenos gours. Segue-se passagem estreita com subida em ressalto de 2m. Verifica-se grande alteração no algar pois as paredes são de pedra “nua”, chão de argila com inclinação no Sentido ONO, contrario a direção de progressão. Estamos numa zona de conduta forçada, que segue uns bons metros terminando a frente o algar na zona mais a ESE, com pequena bancada de calcite e argila.
Geologia:
A gruta apresenta algumas características compatíveis com uma gruta de origem freática, como o seu desenvolvimento sobretudo horizontal, as formas arrendondadas das paredes e o que poderão ser vagas de erosão. A gruta desenvolve-se em calcários da formação de Calcários Mícriticos da Serra de Aire, datada do Batoniano do Jurássico Médio.
Presente:
Foi realmente um “Élá”! É sempre bom encontrarmos nesta zona um algar com estas características diferentes do habitual de poço atras de poço. Apesar de pequeno tem de tudo um pouco e de referenciar que se situa em zona de falha. Detetámos guano na zona de conduta forçada mas pouco e aparentemente com muito tempo.