
24 de Julho de 2021
Ribeiro, José 1,2; Lopes, Samuel 1,4; Rodrigues, Paulo 1,2,3
- Grupo de Espeleologia e Montanhismo, Rua General Pereira de Eça, nº30, 2380-075 Alcanena
- Núcleo dos Amigos das Lapas Grutas e Algares
- Comissão Científica da Federação Portuguesa de Espeleologia
- Wind-CAM – Centro de Atividades de Montanha, Rua Eduardo Mondelane, lj44, 2835-116 Baixa da Banheira
Introdução
Aos poucos vamos regressando e dando continuidade ao nosso projeto. Não tem sido fácil lutar contra esta pandemia, mas assim tem de ser e não nos podemos deixar vencer.
A natureza está a recuperar do ultimo grande incêndio aqui nos Alecrineiros, dando um toque muito bonito a toda a zona. Sempre que podemos, fazemos prospeção e fruto desse trabalho apresentamos os trabalhos efetuados nos algares e promessas de algares: Algar do Par Desconfinado, Buraco da Oliveira, Algar da Cobra, Buraco da Crista, Algar Já se Vê e Algar das Gajas de Sicó.
Adverte-se também e mais uma vez que, para sua proteção e da própria cavidade, o espeleólogo tem de ter obrigatoriamente formação!!!
Algar do Par Desconfinado
Tínhamos terminado o trabalho no algar do Jalles, sobrou um pouco de tempo e fomos verificar as coordenadas de alguns algares que encontrámos numa prospeção feita anteriormente e chamou-nos a atenção uma pequena depressão rodeada de carrasco queimado, dando a ideia que antes do incêndio seria muito difícil de ser detetado. O acesso é difícil, mas ali estava ele à nossa espera.
Descrição:
Num lapiás com alguma elevação, numa pequena depressão abre-se o algar à superfície. Tem aproximadamente 1,5m x 1,5m e a SSO apresenta a parede lisa já na restante área. Tem que se ter alguma cautela pois é um pouco instável.
Segue-se um poço de 36m que após alguns metros alarga bastante no sentido NO-SE onde se percebe uma clara descontinuidade. O poço tem paredes lisas mas vai sendo preenchido com formas de reconstrução parietais na sua descida. A base, não sendo uniforme, tem cerca de 2m na sua zona mais larga e quase 9m de comprimento, inclinando-se no sentido SE, sendo de muito bloco, cascalheira e alguma argila. Verifica-se uma pequena abertura no sentido NE completamente fechada com muitas formas de reconstrução. Verificaram-se algumas ossadas de algum cabrito que ali caiu.
Apesar da base ser fria não se verificou qualquer possibilidade de continuação pois deve estar muito entulhada, terminando aqui o nosso trabalho de campo.
Geologia:
A gruta aparenta ter um controlo estrutural por uma família de fraturas de direção grosseira NW–SE, com inclinação subvertical. As camadas regionalmente têm direção aproximadamente NW–SE e inclinação suave para Sul. A gruta desenvolve-se em calcários da formação de Calcários Micríticos da Serra de Aire, datada do Batoniano do Jurássico Médio.
A gruta apresenta caneluras de dissolução, aparentando tratar-se de um “vadose shaft” de acordo com a definição de Baron, 2003, sendo estas grutas com desenvolvimento essencialmente vertical que conduzem a água do epicarso para as zonas mais profundas do carso.
Presente:
Tínhamos tanta esperança neste algar, chegámos lá abaixo como em tantos outros e olhem “morremos na praia”. Bom, mas valeu bem a pena pois o poço é brutal. E já está cadastrado e aqui por nós apresentado.
Buraco da Oliveira
Este fica mesmo perto da estrada, dentro de um chouso. Quando o identificámos estava carregado de salamandras. Tem cerca de 3m de profundidade e fica aqui o registo. Sendo as coordenadas (WGS 84) 39.50854ºN 8.81427ºW.
Algar da Cobra
Demos-lhe este nome pois quando o avistámos vimos uma cobra que por ali passava e que depressa se escondeu sem nunca mais a vermos. Também não estávamos muito interessados nela…

Numa fenda, se assim lhe podemos chamar, bem visível à superfície, encontra-se a boca do algar. Tem aproximadamente 0,5m x 0,5m, onde se encontram uns calhaus bem entalados. Segue-se um poço de 21m que alarga logo a seguir à entrada mas voltando a estreitar um pouco sensivelmente a meio da descida. Nota-se no sentido SO umas pequenas fendas com ocos durante a descida.
A base do poço é pequena, havendo espaço apenas para um espeleólogo, sendo de cascalho onde se encontra um bom bloco. No sentido SO temos uma pequena fenda onde se verificou trabalho de desobstrução, não sabemos por quem.
Segue-se um poço de 4m, inicialmente muito estreito mas alargando de seguida. A base é de cascalho e argila e encontram-nos numa pequena sala com cerca de 2m x 2m, de tecto irregular e com pequena inclinação no sentido SO. No mesmo sentido, uma pequena passagem já com formas de reconstrução e com inclinação no sentido contrário à progressão, terminando numa chaminé de 4m.
Geologia:
A gruta aparenta ter um controlo estrutural por uma família de fraturas de direção grosseira NE–SW, com inclinação subvertical. As camadas regionalmente têm direção aproximadamente NW–SE e inclinação suave para Sul. A gruta desenvolve-se em calcários da formação de Calcários Micríticos da Serra de Aire, datada do Batoniano do Jurássico Médio.
A gruta aparenta tratar-se de um “vadose shaft” de acordo com a definição de Baron, 2003, sendo estas grutas com desenvolvimento essencialmente vertical que conduzem a água do epicarso para as zonas mais profundas do carso.
Presente:
Na realidade este até deu mais do que aquilo que nós pensámos. Verificámos que alguém efetuou um trabalho de desobstrução, também encontrámos uns spits muito velhos na entrada, mas no Cadastro Nacional de Cavidades, nada…
Buraco da Crista
Por ali andávamos a “bater terreno” e ao lado de uma fenda grande encontrámos este buraco com cerca de 3m de profundidade, que indica que aqui por debaixo pode haver um oco. Quem sabe…
Aqui ficam as coordenadas (WGS 84) 39.50695ºN 8.81293ºW.
Algar Já se Vê
Estava mesmo ali perto, aliás toda aquela zona cheira a algares!!!
Verificámos mais tarde que alguém por aqui tinha andado, não sabemos quem. Olhem, é mais um…
Descrição:
Num belo campo de lapiás encontrámos uma descontinuidade bem visível, com uns blocos ali entalados onde se abre o algar à superfície, mesmo por debaixo dos blocos após um pequeno ressalto de 1m. A entrada tem cerca de 1m x 1m, sendo simpático, mas abrindo um pouco mais abaixo. Segue-se um poço de 15m, onde se percebe agora a descontinuidade que forma o algar, sendo esta no sentido ONO–ESE.
Nas paredes observam-se algumas formas de reconstrução mas já muito velhas, parecendo até que algumas se desfazem. A base do poço é composta por vários blocos e cascalheira tendo uma ligeira inclinação no sentido ESE. Aí na zona mais a ESE, verificámos duas fendas, uma por cima de outra que se prolongam alguns metros mas sendo impossível sem desobstrução a progressão. Ambas estão identificadas na topografia.
Já na zona mais a ONO, voltámos a encontrar duas fendas que se ligam e inclusive também se consegue aceder a esse pequeno oco por desobstrução já efetuada não sabemos por quem, na parede a SO. Esta zona também se encontra identificada na topografia, sendo muito estreita a progressão.
Verificámos também que este algar apesar de pequeno alberga muita vida como se pode observar nas fotografias.
Geologia:
A gruta aparenta ter um controlo estrutural por uma família de fraturas de direção grosseira NW–SE, com inclinação subvertical. As camadas regionalmente têm direção aproximadamente NW–SE e inclinação suave para Sul. A gruta desenvolve-se em calcários da formação de Calcários Micríticos da Serra de Aire, datada do Batoniano do Jurássico Médio.
A gruta aparenta tratar-se de um “vadose shaft” de acordo com a definição de Baron, 2003, sendo estas grutas com desenvolvimento essencialmente vertical que conduzem a água do epicarso para as zonas mais profundas do carso.
Presente:
Algar interessante, este foi explorado debaixo de alta trovoada e muita chuva. Assusta bastante ver as faíscas a cair e nós ali carregados de metal, enfim… já está. Mais um que fica no Cadastro e aqui por nós partilhado!
Algar das Gajas de Sicó
Bom, muita história tem este algar. Quando o encontrámos estávamos a caminho do Algar Já se Vê. É bem visível no percurso pedestre que ali passa e com aquele varão queimado ainda mais. Demos-lhe logo o nome de Algar do Varão, mais tarde verificámos que as coordenadas são as do Algar das Gajas de Sicó. É o nome que está no Cadastro Nacional de Cavidades, mas a histária não fica por aqui.
Verificámos que existe uma publicação no blog do N.A.L.G.A. que fala da sua descoberta numa atividade do GPS (Grupo de Proteção de Sicó) e (AESDA – Associação de Estudos Subterrâneos e Defesa do Ambiente), em 2006, tendo sido essa descoberta feita por Cláudia Neves e Rita Lemos (ambas sócias do GPS). Daí existir na Sinonímia do respetivo algar o nome Algar das Gajas de Sicó.
Podem ver essa publicação seguindo o link:
Algar da Moita (A95 Cadastro de São Bento) ou Algar das Gajas de Sicó | Núcleo dos Amigos das Lapas, Grutas e Algares (wordpress.com)
Algar da Moita (A95 Cadastro de São Bento) ou Algar das Gajas de Sicó | Núcleo dos Amigos das Lapas, Grutas e Algares (wordpress.com)
Descrição:
Junto a um percurso pedestre encontramos uma fenda no chão onde se abre o algar à superfície. A fenda, se assim lhe podemos chamar, tem a direção O-E, com cerca de 1m x 0,5m, desce 2m e estreita (mesmo já tendo sido alargado um pouco). Abre logo de seguida onde se observa de imediato um pequeno patamar no sentido NO, com uma chaminé que quase liga à superfície. O poço tem 35m com um pequeno bloco entalado que serve de patamar sensivelmente a meio, tem formas de reconstrução e quase a chegar a base tem um pequeno tramo no sentido ESE. Este pequeno tramo segue no sentido ENE, é muito bonito e termina num pequeno poço com formas de reconstrução. Mais abaixo a base é de blocos, cascalheira e argila.
Na base no sentido ESE, duas aberturas no chão dão acesso a uma rampa de 4m e de seguida divide-se em 3 pequenos tramos. No sentido N, zona onde se anda bem com desnível no mesmo sentido, vemos alguns blocos, cascalheira, poucas formas de reconstrução, terminando uns metros a frente. No sentido ESE, com desnível no mesmo sentido, alguns blocos, cascalheira e algumas formas de reconstrução, terminando alguns metros à frente. Por fim no sentido ONO, uma pequena passagem com muita argila e cascalheira no seu inicio, mais a frente abre um pouco com alguns blocos seguindo em pequenas rampas com argila e cascalheira e terminando numa pequena fenda de cascalheira e argila identificada na topografia.
De novo na base do poço de 35m e agora no sentido NO, seguimos uma passagem por debaixo do grande bloco que divide a passagem, zona de muitas formas de reconstrução e muito bela com alguma argila e blocos subindo no sentido NO. À frente abre-se um salão de boas dimensões e de grande beleza. O salão desenvolve-se inicialmente no sentido NO tendo logo ali um poço de 4m de boa largura que liga à zona inferior. De seguida desenvolvesse também no sentido SSO, toda a zona é coberta de formas de reconstrução e de grande beleza, o tecto é irregular tal e qual o chão com alguns blocos de boas dimensões, zonas de patamares e muita calcite. Existem vários pontos de comunicação com a zona inferior, sendo a maior na zona mais a SSO. Aí temos acesso a um poço de 5m que foi o acesso ao nível inferior. Percebemos de imediato que é uma zona de caos de blocos que liga em vários pontos ao salão, tudo é muito irregular com muitos blocos, cascalheira e argila com alguns pequenos poços que afunilam e fecham com cascalheira e argilas. Não foi encontrada nenhuma possível passagem, terminando aí a nossa exploração.
Geologia:
O poço de entrada é “um vadose shaft” de acordo com a definição de Baroñ, 2003, formado por infiltração de água a partir do epicarso (a zona mais superficial, alterada e logo mais permeável do maciço cársico), tratando-se basicamente de fraturas alargadas pela corrosão da água de infiltração. O poço é estruturalmente controlado por fraturas de atitude N60W/vertical e N40W/vertical.
A gruta encontra-se no estado velho segundo a classificação de Bögli,1980. A génese da sala é menos clara, o caos de blocos resultante do abatimento do tecto, segundo as superfícies de estratificação horizontal (que funcionam como superfíces de fraqueza), alteraram o aspecto original da sala. Pode-se considerar a hipótese de se tratar de uma zona de confluência de vários “vadose shats” entretanto abatidos, ou mesmo de um troço de um antigo colector, apesar de não terem sido encontrados vestígios de origem freática da sala. A sala apresenta ,pelo menos em algumas zonas, controlo estrutural pelas mesmas famílias de fracturas do poço de entrada, a saber N60W/vertical e N40W/vertical. A direção de desenvolvimento da sala, NW-SE, sugere que estas fracturas poderão até desempenhar um papel predominante no controlo da sala.
A gruta desenvolve-se segundo a Folha 27- A da Carta Geológica de Portugal à escala 1/50000 na formação de Calcários Micríticos da Serra de Aire datados do Batoniano (Jurássico Médio).
A atitude das camadas é próxima da horizontal.
Presente:
Foi graças ao conhecimento de todos os espeleólogos que partilharam o seu conhecimento sobre este algar que nos fez ali chegar. Melhorámos um pouco a topografia feita na altura com outros “instrumentos” e foi um prazer enorme verificar uma beleza única e uma sensação que só quem aqui vem a compreende.
Neste final de publicação quero agradecer a persistência de dois camaradas, o Rui Pina e o Pedro Fazenda, que conseguiram ao longo destes dois últimos anos, apesar das restrições que a pandemia tem trazido, abrirem finalmente a passagem no Algar de Boca Larga V. Sim, esse onde iniciámos os trabalhos em 2018 e se percebia aquela grande corrente de ar aos -60m. Aguardem o que para aí vem…
Abraço e até à próxima.
Texto: José Ribeiro
Geologia: Paulo Rodrigues
Edição: Vitor Toucinho