Ribeiro, José 1,2; Lopes, Samuel 1,4; Rodrigues, Paulo 1,2,3
Grupo de Espeleologia e Montanhismo, Rua Maria Veleda, 6, 7ª Esq, 2650-186, Amadora, Portugal
Núcleo dos Amigos das Lapas Grutas e Algares
Comissão Científica da Federação Portuguesa de Espeleologia, Estrada Calhariz de Benfica, 187, 1500-124 Lisboa
Wind-CAM – Centro de Atividades de Montanha, Rua Eduardo Mondelane, lj44, 2835-116 Baixa da Banheira
Introdução
Eis que regressam as publicações dos trabalhos realizados nos Alecrineiros, este belo local que não nos cansamos de visitar.
Publicamos mais 3 algares, o projeto tem avançado consoante a disponibilidade da malta, que por diversas razões nos últimos tempos não tem sido muita, mas agora já estamos a bom ritmo. Desta vez apresentamos o Algar dos Chorões, Buraco do Formigueiro e Algar dos Carrascos.
Figura 1 - Localização dos algares tendo como referência o cruzamento existente na zona conhecida como "quatro caminhos" (seta a vermelho).
Algar dos Chorões
Foi no mesmo fim-de-semana em que topografámos o Algar da Bajanca que parte da equipa em prospeção encontrou este algar. Verificou-se que já se encontrava equipado com spits. Uma equipa ainda desceu os dois primeiros poços, tendo-se encontrado a boca do terceiro poço. Por falta de equipamento a exploração ficou por aí. Na altura recolhemos as coordenadas para futura investida.
Figura 2 - Entrada do Algar dos Chorões (Foto: Sérgio Carvalho - GEM)
Figura 3 - Boca do algar já destapada com a entrada equipada (Foto: Sérgio Carvalho - GEM)
Descrição:
O algar abre-se à superfície com uma boca de pequena dimensão. Segue-se um poço de 12m com a base coberta de calhaus de várias dimensões e muita argila. No sentido NO há um pequeno recanto com diversas formas de reconstrução muito bonitas e de boas dimensões. Aí existe também um pequeno poço com 5 metros de profundidade muito estreito e identificado na topografia. Já no sentido N, encontra-se um poço com 11m, pelo qual se chega a nova sala, com blocos de várias dimensões e muita cascalheira e argila. A sala, se assim lhe podemos chamar, tem tendencialmente inclinação para E, e no recanto mais a NO há um pequeno tramo com formas de reconstrução muito bonitas.
O algar continua a desenvolver-se, encontrando-se uma passagem sensivelmente a meio da sala por debaixo de um grande bloco. A passagem dá acesso a uma rampa de muita argila com aproximadamente 4m, ai chegamos a um poço de 15m. Descendo esse poço nota-se as paredes de calcite e uma boa abertura no sentido NNE, e no sentido contrário encontra-se um poço paralelo.
Na base do poço seguindo para NNE, há uma zona com muitas formas de reconstrução parietais. Aqui, após passarmos por pequeno obstáculo, entramos numa sala de boas dimensões no sentido N repleta de grandes blocos e muita cascalheira, com inclinação no sentido N e tecto alto e irregular. No final da sala, na zona mais a Norte, há uma pequena abertura de onde se deslumbra um oco identificado na topografia como possibilidade de continuação.
Regressando à base do poço de 15m, agora no sentido S, acedemos a novo poço de 7m com a sua base repleta de calhaus. Por debaixo de um deles encostado à parede mais a O há uma pequena passagem e nova possibilidade de continuação, também identificada na topografia. Já no sentido S há um novo poço, tendo este 11m. Podemos dizer até que estes 2 poços são o mesmo com um patamar a dividi-lo. A base está repleta de argila com algumas pedras, notando-se a acumulação de água.
Geologia: A gruta aparenta ter um controlo estrutural por famílias de fraturas de atitude NW-SE/subvertical e NE-SW/subvertical. As camadas regionalmente têm direção aproximada NW-SE e inclinação suave para Sul, embora localmente possam ser consideradas subhorizontais.
A gruta desenvolve-se em calcários da formação de Calcários Bioclásticos do Codaçal, datada do Batoniano, do Jurássico Médio. A gruta apresenta caneluras de dissolução, e aparenta tratar-se de um “vadose shaft” de acordo com a definição de Baron, 2003, sendo estas grutas com desenvolvimento essencialmente vertical que conduzem a água do epicarso para as zonas mais profundas do carso.
Presente:
Este algar, como tantos outros, já tinha sido explorado por alguém, não sabemos quem, pois a gruta não estava referenciada no cadastro da Federação Portuguesa de Espeleologia, nem se conhecia nenhuma publicação sobre ele. Como os spits são de inox, parecem sempre novos, não permitindo ter uma ideia da antiguidade da exploração original.
Fizemos o levantamento topográfico e fotográfico e deixámos as possíveis continuações identificadas, para quem continuar a trabalhar no algar possa dar uma boa continuação e que posteriormente o partilhe.
Figura 4a – Planta do Algar dos Chorões
Figura 4b – Perfil desdobrado do Algar dos Chorões
Figura 4c – Pormenor da sobreposição de poços do algar dos Chorões
Figura 4d – Ficha de equipagem do Algar dos Chorões
Fotos do Algar dos Chorões por Sérgio Carvalho (GEM)
Fotos do Algar dos Chorões por Victor Lourenço (GEM)
Buraco do Formigueiro
Por ali andávamos e enquanto esperávamos que a restante malta fosse saindo da cavidade em exploração, demos com este. Via-se o fundo mas não se conseguia perceber mais nada devido à densa vegetação, e ao grande formigueiro ali existente…
Figura 5 – Entrada do Buraco do Formigueiro, pouco percetível devido à densa vegetação. (Foto: José Ribeiro – GEM)Descrição:
A boca deste pequeno algar tem cerca de 3m de comprimento no sentido O-E, por 1m de largura.
Já a sua base a sensivelmente 5m de profundidade, é maior e tem ligeira inclinação no sentido E. Na zona mais a E, existe um pequeno recanto mas sem probabilidade de progressão.
Geologia:
A gruta apresenta um controlo estrutural por uma fratura de direção grosseira E-W e inclinação subvertical.
A gruta desenvolve-se em calcários da formação de Calcários Bioclásticos do Codaçal datado do Batoniano, Jurássico Médio. A gruta aparenta tratar-se, embora de modo incipiente, de um “vadose shaft” de acordo com a definição de Baron, 2003, sendo estas grutas com desenvolvimento essencialmente vertical que conduzem a água do epicarso para as zonas mais profundas do carso.
Presente:
E já está, aqui ficou mais um algar registado. Os pequenos também contam, mais que não seja para os “esforços” não se repetirem, e para aquelas pequenas formigas de cabeça vermelha não nos voltarem a ferrar, e de que maneira…/span>
Figura 6a – Planta do Buraco do Formigueiro
Figura 6b – Perfil desdobrado do Buraco do Formigueiro
Fotos do Buraco do Formigueiro por José Ribeiro (GEM)
Algar dos Carrascos
Figura 7 – Entrada do Algar dos Carrascos (Foto: José Ribeiro – GEM)Que dizer do algar dos Carrascos, todo o espeleólogo devia ir lá ao fundo, nem que fosse uma vez na sua existência, e tirar mais um pouco de argila e perceber que isto da espeleologia não é só passeio mas sim pura diversão.
Bom, corria o ano de 2003 e numa atividade de prospeção do C.E.A.E-LPN, o algar no topónimo João Malhão é encontrado e explorado. Aquilo que parecia ser mais um normal algar com sequência de poços (como é normal nesta zona) veio a revelar-se diferente, muito graças a essa grande espeleóloga Andreia, que deslumbrou uma passagem para um meandro de boas dimensões que aparenta ser um pequeno aquífero suspenso.
Descrição:
O algar abre-se à superfície com uma boca de cerca de metro e meio de diâmetro, grande parte ocupada com um grande bloco, deixando apenas uma pequena fenda por onde é possível passar. Segue-se um poço de 51m, inicialmente com uma pequena inclinação no sentido ONO.Figura 8 – Foto do interior do meandro (Foto: Rui Pina – GEM)
A cerca de -25m há um pequeno patamar por onde se acede a um poço paralelo, se assim lhe podemos chamar, no sentido NNE. Este poço com bom diâmetro, tem um grande bloco entalado ocupando grande parte do espaço. Na zona mais a NNE existe uma pequena janela, e já no sentido SE há uma fenda que se desenvolve por um bom par de metros, estando os dois locais identificados na topografia com um ponto de interrogação. O tecto a cerca de 14m quase que liga ao poço de entrada, já a base está a sensivelmente 27m, por onde se acede pelo tramo principal.
De regresso ao patamar do poço de entrada, este continua descendo cerca de 26m até chegarmos à sua base de argila e cascalheira. Aqui temos 3 opções: seguindo no sentido O um pequeno meandro com blocos de boas dimensões, algumas formas de reconstrução, um pouco à frente uma inclinação no sentido de progressão com tecto irregular, e chegamos a uma pequeníssima sala completamente colmatada de argila, existindo um pequeno depósito de água.
Já no sentido NE e após descermos patamar, virando a NNO, temos acesso à base do poço paralelo, descendo em rampa de cascalheira. Ao fundo um pequeno recanto de fundo de argila com paredes concrecionadas e uma pequena chaminé.
Figura 9 – Foto da zona do inicio da desobstrução (Foto: Rute Santos – GEM)
Novamente na base do poço de entrada, seguimos agora o tramo principal. Descendo uma rampa com vários ressaltos no sentido SE chegamos a uma sala de fundo irregular com grandes blocos, cascalheira e argila, aqui e ali com pequenos depósitos de água. O tecto de aspeto irregular com um grande bloco ali suspenso aparenta ser uma fratura, se assim lhe podemos chamar. Continua-se a progressão numa pequena passagem a NNE nesta sala atrás de um grande bloco, seguindo agora no sentido ESE, e após pequeno destrepe chegamos a uma zona de meandro.
Inicialmente rastejando verifica-se que a NO o meandro está completamente fechado, continuando no sentido ESE. À medida que se avança o tecto sobe permitindo andar de pé. Aqui o chão está todo coberto de argila, algumas formas de reconstrução, poucas em pequenos recantos. Notam-se várias marcas de linhas de água feitas pelas cinzas que se infiltram com a água de incêndios passados, depositadas nas paredes mais junto ao tecto.
Após avançarmos cerca de 62m chegamos a uma zona de rolhão, com algumas formas de reconstrução no inicio e afunilamento da zona. Aí, após se avançar cerca de 11m em zona desobstruída, encontramos um pequeno depósito de água originado devido a um pequeno desnível.
Geologia:
O poço de entrada do algar pode ser considerado como um vadose shaft, segundo a definição de Baron 2003, ou um algar de infiltração, numa tradução não literal do termo.
A galeria que se atinge no fundo do poço de entrada apresenta evidências de ter tido origem na zona freática, de acordo com a definição de Bogli, 1980. A galeria apresenta a mesma direção NW-SE que as camadas a nível regional. A gruta desenvolve-se em calcários da formação de Calcários Bioclásticos do Codaçal, datada do Batoniano, do Jurássico Médio.
A galeria representa a posição de um antigo nível de água cuja cota ronda atualmente os 410-420 metros. Após a sua formação, uma subida do nível de base ou outro fenómeno que tenha diminuído a velocidade de circulação da água terá provocado o seu preenchimento com os sedimentos detríticos, que ainda hoje preenchem parcialmente a gruta. Posteriomente uma descida relativa do nível de base terá provocado a passagem da gruta da zona freática para a zona vadosa inativa.
Presente:
Foi um prazer enorme reviver ali naquele rolhão, os grandes momentos que ali se passaram na altura do inicio da desobstrução com esse grande grupo que é o C.E.A.E.-LPN. Foi ali que o meu grande gosto pela espeleologia foi cimentado, até a roupa interior tinha argila. À saída apanhávamos amoras para o grande Pedro Frade fazer as deliciosas tartes de amora.
Se assim me for permitido ainda levarei fornadas de espeleólogos a abrir mais um pouco, para que ganhem o “bichinho” que aqui nos faz andar…
Figura 10a – Planta do Algar dos Carrascos
Figura 10b – Perfil desdobrado do Algar dos Carrascos
Figura 10c – Ficha de equipagem do Algar dos Carrascos
Fotos do Algar do Laçarote por Rute Santos (GEM), José Ribeiro (GEM) e Rui Pina (GEM)
E finalmente mais uma publicação. Não tem sido fácil, tal e qual como no nosso dia a dia. Mas é aqui neste cantinho na zona dos Alecrineiros que penso que, de alguma forma, com a partilha dos nossos trabalhos, que tanto prazer nos dá, talvez ajudemos a preservar esta zona do parque onde já se começa a ver ao longe a escombreira de uma enorme pedreira.