Artigo_Alecrineiros18
Algares do Cabeço dos Alecrineiros - Parte XVIII​
04 de Novembro de 2019

Ribeiro, José 1,2; Lopes, Samuel 1,4; Rodrigues, Paulo 1,2,3

  1. Grupo de Espeleologia e Montanhismo, Rua Maria Veleda, 6, 7ª Esq, 2650-186, Amadora, Portugal
  2. Núcleo dos Amigos das Lapas Grutas e Algares 
  3. Comissão Científica da Federação Portuguesa de Espeleologia, Estrada Calhariz de Benfica, 187,  1500-124 Lisboa
  4. Wind-CAM – Centro de Atividades de Montanha, Rua Eduardo Mondelane, lj44, 2835-116 Baixa da Banheira

 

Introdução

Quase sempre que nos deslocamos a caminho da zona dos Alecrineiros, passamos perto da pequena localidade do Covão do Frade. Em conversa com o Vítor Amendoeira, numa das nossas saídas, ele diz-nos que nos seus arquivos tinha indicação de 2 algares muito giros que para ali existem. Olhámos para o Cadastro da Federação de Espeleologia e “bola”, não existe nada registado.

Pés no terreno e valeu bem o “passeio”!
A saber: Algar do Covão do Frade e Algar do Areeiro.
Figura 1a - Localização dos algares, tendo como referência a pequena localidade de Covão do Frade assinalada com seta vermelha.
Figura 1a - Localização dos algares, tendo como referência a pequena localidade de Covão do Frade assinalada com seta vermelha.
Figura 1b - Localização dos algares, numa imagem aérea mais antiga. A seta vermelha assinala a pequena localidade de Covão do Frade.
Figura 1b - Localização dos algares, numa imagem aérea mais antiga. A seta vermelha assinala a pequena localidade de Covão do Frade.
Algar do Covão do Frade
Foi fácil encontrar este algar e foi uma agradável supresa, pena o lixo que se encontra na sua base. Mas também reparámos que esse lixo já é de outros tempos e não algo que seja recente.
Observámos também que foi feita uma pequena desobstrução num dos tramos do algar.
Geologia:
A boca do algar está tapada com grandes blocos, tem cerca de 1,5m de diâmetro, um pouco mais se somarmos dois pequenos patamares, no sentido NNO e SSE, dando a perceber a descontinuidade que originou a abertura do algar a superfície. Segue-se um poço de 31m que vai alargando um pouco à medida que se desce. A cerca de -13m encontramos um pequeno patamar onde alarga realmente no sentido SO, criando uma zona de tecto e uma parede, se assim lhe podemos chamar, pois nunca é fechada e alarga à medida que descemos.
Figura 2 – Entrada do Algar do Covão do Frade (Foto: José Ribeiro – GEM)
A base é composta por blocos de várias dimensões e lixo, que pela marca dos produtos já é de “outros tempos”. Tem inclinação inicial de OSO, virando para S, onde termina.
Continuando a descida a O encontramos uma abertura que nos dá acesso a um corredor de chão irregular com cascalheira. Nota-se nas paredes formas de reconstrução, sendo o tecto também irregular. À frente vemos uma abertura a NNE, terminando aí esse espaço. Já no sentido O, depois de ultrapassarmos um patamar, acedemos a um poço de 7m. Em cima nota-se uma abertura no tecto que aparentemente tem pouco desenvolvimento.
A sensivelmente metade da descida do poço chegamos a um patamar. Aí, no sentido NNE, chegamos a outro poço de 3m. Toda esta zona tem formas de reconstrução, tornando-a muito bonita.
Na base do P 7 há um pequeno lago com fundo argiloso. No sentido NO, pequena fenda que após 1,5 m vira a NNE, afunilando sendo humanamente impossível prosseguir, terminando ai esse tramo.
Regressando à base do poço e continuando a descer no sentido OSO, de frente a uma parede com abertura a cerca de 3m de altura, um pequeno patamar, um ressalto de 2m e estamos noutro tramo do algar. Aqui temos uma sala com tecto alto e chão irregular mas com inclinação no sentido O. À frente o tecto desce, verificando-se aí uma pequena ligação com o outro tramo da gruta.
Seguindo para O, temos acesso a uma rampa de cerca de 4m,  notando-se na zona inicial uma desobstrução efetuada. Sensivelmente a meio da rampa, há uma viragem para SO, acedendo a uma sala com chão e tecto irregular mas muito rica em formas de reconstrução, e por isso mesmo muito bonita. Seguindo, temos mais à frente um pequeno lago de água, terminando aí esse tramo.
Geologia:
A gruta aparenta ter um controlo estrutural por duas famílias de fraturas de direção grosseira NE-SW e E-W, ambas com inclinação subvertical. As camadas regionalmente têm direção aproximadamente NW-SE e inclinação suave para Sul. A gruta desenvolve-se em calcários da formação de Margas e Calcários margosos do Zambujal, cujos termos superiores são ainda bastante carbonatados, datada do Aaleniano inferior a Bajociano inferior, do Jurássico Médio.
 
A gruta aparenta tratar-se de um “vadose shaft” de acordo com a definição de Baron, 2003, sendo estas grutas com desenvolvimento essencialmente vertical que conduzem a água do epicarso para as zonas mais profundas do carso.
Presente:
Algar interessante com zonas bem distintas e bastante bonitas. Aqui já concluímos o nosso trabalho, ficou colocado no Cadastro Nacional de Cavidades, foi explorado e topografado, e aqui por nós agora apresentado.
Figura 3a – Planta do Algar do Covão do Frade
Figura 3b – Perfil desdobrado do Algar do Covão do Frade
Figura 3c – Ficha de Equipagem do Algar do Covão do Frade
 Fotos do Algar do Covão do Frade por José Ribeiro (GEM/WIND) e Samuel Lopes (GEM/WIND)

Algar do Areeiro

Figura 4 – Entrada do Algar do Areeiro (Foto: Sérgio Carvalho – GEM)

Este foi fácil de encontrar, muito por causa de uma das suas entradas ter boa abertura à superfície, apesar de estar coberta de vegetação, como se vê na figura 4.

A entrada vista de dentro do algar é bem diferente, dá-lhe uma beleza especial com muito musgo nas suas paredes e a vegetação a tapar a entrada do sol, como se vê na figura 5.

Figura 5 – Interior da entrada do Algar do Areeiro (Foto: Sérgio Carvalho – GEM)
Existe outra entrada que dá acesso a esta abertura e tem uma historia curiosa, da qual nasce o nome do algar. Corriam os anos de 1930/1940 e junto ao algar fazia-se a extração de areão. Nota aqui e ali algumas covas de onde este era extraído. Acontece que um trabalhador espanhol, provavelmente fugido da guerra civil que assolava a nossa vizinha Espanha, habitava a pequena lapa que liga ao algar, daí o nome dado. Isto segundo o relato do senhor Francisco, conterrâneo desde sempre da pequena localidade de Covão do Frade.
 
 
Recentemente tivemos conhecimento pelo nosso amigo Orlando Elias do N.E.L., que se tinha deslocado ao algar para resgatar uma bezerra que lá tinha caído, que o algar podia ter continuação. Com o pequeno croqui feito em 2006 pelo Vítor Amendoeira em atividade da A.E.S., como se pode ver na figura 6, lá descemos o algar.
Figura 6 – Croqui de exploração do Algar do Areeiro
 
Descrição:
O algar abre-se à superfície por duas entradas bem diferentes a N. A mais pequena com cerca de 1m x 0,3m aproximadamente, é uma pequena fenda que desce em destrepe cerca de 2m. Aí acedemos a uma pequena lapa, seguindo para N, subindo-se ligeiramente e a cavidade vai afunilando terminando poucos metros depois, percebendo-se aí pequena ligação à superfície no seu tecto.
Já para S, vai alargando e descendo ligeiramente à medida que avançamos até estarmos na outra entrada do algar, onde deixamos de ter tecto. De referir que o chão desta pequena lapa é de argila com algumas pedras.
 
A grande entrada do algar tem cerca de 9m x 5m na zona mais larga. Está coberto de vegetação com as paredes cobertas de musgo junto à entrada. Existem também alguns patamares. Segue-se um poço de 30m, sendo muito belo e variando à medida que descemos. A base tem a sua zona mais elevada a N, descendo em rampa no sentido S com argila e vários calhaus. Após alguns metros encosta à parede do algar a S.
 
No sentido E, temos um pequeno recanto terminando logo de seguida num espaço pequeno com chaminé de 9m. As paredes aí são forradas com formas de reconstrução. Já no sentido O, a rampa termina num P4 com muita cascalheira, sendo aqui a inclinação no mesmo sentido. Segue-se uma sala, se assim lhe podemos chamar, com muitos blocos de várias dimensões e ossadas. Aqui encontramos algumas salamandras.
No sentido SSO, a cerca de 2m de altura, um pequeno recanto com chaminé de 16m. As paredes são muito belas. Uma pequena estalagmite em constante formação, dá-lhe um aspeto notável. Voltando à sala, olhando a S, vemos uma pequena passagem agora mais larga (após desobstrução), com um poço apertado de 4m, terminando aí com calhaus de diferentes dimensões na sua base.
 
No inicio deste pequeno poço, virando para O, há uma forte corrente de ar, uma passagem apertada, que após desobstrução permitiu-nos chegar a um pequeno tramo, descendo sempre no mesmo sentido por alguns ressaltos. Após alguns metros a configuração muda. Paredes lisas aparentado terem sido erodidas pela circulação de água, no meio uma “língua” de calcite que acompanha sempre o sentido de progressão e que nos ajuda a chegar á frente, à mesma altura e praticamente no mesmo sentido, temos um pequeno recanto coberto de escorrências e uma chaminé de 3m.
 
Voltando ao inicio da “língua” de calcite, abaixo há um poço de 4m onde se chega a uma pequena sala com chão irregular com muito calhau, virando no sentido SSO. Continua-se a sentir aqui forte corrente de ar, vindo esta de uma pequena abertura, dando ideia de ter sido uma queda de água, bloqueada por um grande calhau que após desobstrução permitiu–nos aceder a um P32. Logo após a sua abertura, esta alarga principalmente no sentido NE-SO.
 
Uns metros abaixo no sentido NE há uma probabilidade de continuação, identificada na topografia, a rever num Inverno. Afunilando à medida que se desce, vemos alguns blocos entalados um pouco abaixo da metade da descida, terminando numa base de blocos com alguma cascalheira e pouca argila. Aí temos acesso a um P34, podemos considerar que é o mesmo poço mas como desvia um pouco para NO, considerámos 2 poços. Alarga consoante se desce, sendo as suas paredes como as do poço anterior muito fissuradas. A base é em ressalto e alarga no sentido NE com algumas zonas forradas de calcite.
Descendo este ressalto em rampa com 7m, chegamos a uma parede de calcite com pequena abertura de onde vem corrente de ar. Zona com pequeno gours e algumas escorrências, notando-se que a água ainda cai, talvez em muito menos quantidade. Mais uma desobstrução e deslumbramos um P10, este com patamares cobertos de calcite e algumas formações bem bonitas.
 
Estamos agora numa sala que se desenvolve no sentido N-S, com chão de argila e vários blocos, alguns já concrecionados e cascalheira. No lado O existe uma parede forrada de formas de reconstrução com aspecto magnífico. Já a S, um patamar que após subirmos 3m alcançamos grandes blocos, afunilando mais à frente numa zona de calhaus e argila bem compacta, mas de onde se sente fresco. Acima temos uma chaminé com 7m, zona identificada na topografia como possibilidade de continuação. Nesta mesma sala a E por debaixo de um grande bloco temos uma pequena abertura que, depois de desobstruída, nos dá acesso a um P3, tendo um pequeno patamar com calcite, terminando mais abaixo num pequeno lago colmatado com argila e alguns calhaus. Até ver fecha aqui o algar do Areeiro.
Geologia:
A gruta aparenta ter um controlo estrutural por duas famílias de fraturas de direção grosseira N-S e NE-SW, ambas com inclinação subvertical. As camadas regionalmente têm direção aproximada NW-SE e inclinação suave para Sul. A gruta desenvolve-se em calcários da formação de Margas e Calcários margosos do Zambujal, cujos termos superiores são ainda bastante carbonatados, datada do Aaleniano inferior a Bajociano inferior, do Jurássico Médio.
 
A gruta aparenta tratar-se  de um “vadose shaft” de acordo com a definição de Baron, 2003, sendo estas grutas com desenvolvimento essencialmente vertical que conduzem a água do epicarso para as zonas mais profundas do carso.
Presente:
Muito trabalho nos deu o algar do Areeiro e também muita alegria e esperança, sendo essa a ultima a morrer. Cada desobstrução foi uma trabalheira e ao mesmo tempo uma alegria a sentir aquela fria corrente de ar. Por duas vezes tivemos o algar equipado, na primeira resgatámos uma cadelita que sobreviveu a uma queda de 30 metros no 1º poço. Lá encontrámos o dono que nos prometeu uma grade de cervejas…
 
Já na segunda investida chegámos à profundidade de 136 metros, ficando com a sensação que numa época de mais frio e chuva consigamos entender onde perdemos a corrente de ar, a gruta vai continuar certamente!! 
Artigo_Alecrineiros18_Algar do ArieiroP
Figura 7a – Planta do Algar do Areeiro
Figura 7b – Perfil desdobrado do Algar do Areeiro
Figura 7c – Ficha de Equipagem do Algar do Areeiro
 Fotos do Algar do Areeiro por Filipe Castro (GEM)
 Fotos do Algar do Areeiro por Marco Messias (CEAE)
 Fotos do Algar do Areeiro por Sérgio Carvalho (GEM)
 Fotos do Algar do Areeiro por Teresa Cardoso (GEM)
 Fotos do Algar do Areeiro por José Ventura (GEM)
Ora aqui vai mais uma publicação do nosso projeto, desta vez desviámo-nos um pouco mas valeu bem a pena. Em breve voltaremos pois estamos bem ativos.
 
VIVA A ESPELEOLOGIA!!!!!!
VIVA A FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE ESPELEOLOGIA!!!!!!!!!
VIVA O NOSSO 7º CONGRESSO!!!!!!!!!
 
Texto: José Ribeiro
Geologia: Paulo Rodrigues
Edição: Vitor Toucinho