
29 de Setembro de 2022
Ribeiro, José 1, Rodrigues, Paulo 1,2,3
- Grupo de Espeleologia e Montanhismo, Rua General Pereira de Eça, nº30, 2380-075 Alcanena
- Núcleo dos Amigos das Lapas Grutas e Algares
- Comissão Científica da Federação Portuguesa de Espeleologia,Estrada Calhariz de Benfica, 187, 1500-124 Lisboa
Email de correspondência: paulor2005@yahoo.com
Introdução
O corredor Vale da Trave-Moitas Venda é definido como uma faixa entre Casais da Mureta, Covão do Feto e Moitas Venda. Neste corredor é conhecida uma maior densidade de grutas de origem freática do que no restante do Maciço Calcário Estremenho (MCE), onde se pensa existir um corredor de paleocirculação de águas subterrâneas. O corredor fica situado na freguesia de Monsanto, concelho de Alcanena, distrito de Santarém, Portugal.
O corredor fica situado no Maciço Calcário Estremenho (MCE), uma área do centro de Portugal caracterizada pela abundância de calcários carsificáveis e de morfologias exo e endocársicas. O corredor situa-se na unidade morfoestrutural do planalto de St. António.
Nesta fase dos trabalhos as grutas reconhecidas encontram-se nas proximidades do topónimo Marradinhas.
As grutas topografadas são de origem freática. Algumas destas cavidades são há muito conhecidas pela comunidade espeleológica nacional. São exemplos destas cavidades os algares Marradinhas II, Zé de Braga, Marradinhas do Daniel, Algar das Cotovias e Algar das Couves.
Objetivos
- Localização de novas cavidades, confirmação da localização das cavidades já existentes;
- Levantamento topográfico das cavidades;
- Apontamentos sobre geologia das cavidades;
- Apresentação dos trabalhos num documento único, aquando da conclusão dos mesmos.
Enquadramento geomorfológico
O planalto de St. António é (Manuppela et al, 2000) uma unidade geomorfológica de forma triangular, cujo vértice se desenvolve para Norte, constituído por superfícies altas limitadas por escarpas vigorosas a ocidente, e a oriente é uma vertente meridional que desce mais progressivamente até ao bordo sul do maciço.
A maior parte perímetro do planalto, com exceção do limite SW, é delimitado por falhas às quais deve a sua posição elevada em relação à envolvente. A superfície do Planalto de St. António é aplanada, inclinando ligeiramente para Sul, apresentando segundo Fernandes Martins, 1949, vestígios de uma antiga superfície de aplanação fluvial, posteriormente trabalhada pela erosão cársica e normal.
A superfície do planalto apresenta várias formas típicas do relevo cársico como campos de lapiás, a uvala de Chão das Pias e um número considerável de dolinas, segundo Manuppella et al, 2000.
Enquadramento geológico
Em termos estruturais, o planalto de St. António corresponde a um monoclinal com algumas flexuras, em que as formações apresentam uma direção regional que varia entre aproximadamente WNW-ESE e NW-SE, inclinando suavemente para Sul. Este monoclinal é cortado por uma série de falhas com direção aproximada WNW-ESE – NW-SE, muitas delas com preenchimento dolerítico.
As formações que compõem o planalto são de idade jurássica, com a maior parte do planalto a ser composto por calcários do Jurássico Médio altamente carsificáveis, com uma mancha de calcários do Jurássico Superior (algo menos carsificáveis) no seu vértice SW.
Os terrenos do corredor Casais da Mureta–Moitas Venda são compostos por formações carbonatadas do Jurássico Médio, as formações cársicas por excelência do MCE. Os calcários são atravessados pela falha Casais da Mureta–Covão do Feto, que forma um arco de direção grosseira SW-NE e por uma série de falhas subparalelas a esta, que terão influenciado a formação deste corredor. A falha Casais da Mureta–Covão do Feto faz a ligação entre o cavalgamento do Arrife e a falha Alvados–Minde.
Enquadramento hidrogeológico
As grutas de origem freáticas do corredor marcam uma antiga posição do nível de água no MCE, mais elevado que o nível atual que faria a circulação no bordo sul do MCE. Este nível está materializado por uma série de grutas de origem freática que, como foi acima referido, abundam no corredor. A falha Casais da Mureta–Covão do Feto promove o desenvolvimento do corredor e a ligação entre as grutas do corredor e a nascente permanente do Alviela, a maior nascente cársica do país, bem como a uma série de nascentes temporárias situadas no bordo Sul do MCE, e possíveis paleonascentes situadas no alinhamento da falha Alvados–Minde.
Dada a proximidade planimétrica e altmétrica entre o Algar das Couves e o Algar do Zé de Braga podemos considerar que as duas grutas são dois troços do mesmo antigo coletor, separados por um abatimento, entretanto coberto por concreções.
Presente
Não tem sido fácil, vivemos tempos difíceis a braços com esta maldita pandemia e mais uma guerra que nos afeta a todos. Mesmo assim temos conseguido ir para o campo, onde fizemos várias atividades de prospeção, exploração e topografia. Por ali vamos andando, onde somos sempre bem recebidos pelas gentes destas belas terras.
Algar das Couves
O Algar das Couves é provavelmente menos conhecido que o Algar do Zé de Braga, mas não menos importante. O seu nome deve-se, segundo o relato do nosso amigo e espeleólogo Orlando Elias, ao facto de naquele terreno há alguns anos atrás se plantarem e colherem as melhores couves da região.
Geologia do Algar das Couves
A cavidade desenvolve-se na formação de Calcários Bioclásticos do Codaçal, datada do Batoniano (Jurássico Médio). Trata-se de umas das formações definidas por Crispim, (1995), como uma das formações cársicas por excelência. Aparenta haver um controlo estrutural da gruta por uma descontinuidade de atitude aproximada N60-70E/Vertical.
A morfologia original da gruta foi muita alterada pelos abatimentos e concreções, mas esta continua a ter uma morfologia semelhante a um coletor. Na proximidade da gruta existem troços de um antigo coletor, nos algares do Marradinhas II e Zé de Braga, cujas cotas das galerias são próximas da cota da sala do Algar das Couves. Os dois factos atrás enunciados indicam que a sala do Algar das Couves poderá provavelmente ser um outro troço do mesmo coletor fóssil já conhecido naquela área. O coletor desenvolveu-se na zona freática segundo a definição de Bögli, 1980, tendo posteriormente migrado para a zona vadosa inativa por uma descida relativa do nível de água. O poço de entrada terá origem posterior, possivelmente pela infiltração da água através de fraturas e corrosão do tecto da gruta.
A gruta encontra-se fortemente concrecionada, sendo abundantes as estalactites, estalagmites, bandeiras, colunas e mantos estalagmíticos, todas de uma brancura intensa responsável pela beleza atribuída à gruta. Por outro lado, na zona mais funda da gruta, encontram-se abundantes depósitos de argila de espessura desconhecida e flowstone.
O lago desaparecido
Ao longo da gruta algumas das concreções situadas numa posição elevada apresentam na sua superfície um ou mais níveis negros de espessura milimétrica, compostos pelo que parece ser cinza ou um qualquer material orgânico. Apesar do material negro parecer “fresco” encontra-se coberto por uma fina camada de concreção, indicando que o seu depósito não é tão recente como se possa pensar à primeira vista.
Uma explicação para este nível, ou níveis, de material negro seria a existência de um lago no interior da sala onde o material orgânico, eventualmente cinzas, provenientes da superfície ficasse em suspensão. Os espessos depósitos de argila que se encontram no ponto mais profundo da sala são também consistentes com um cenário de uma massa de água estagnada durante um período de tempo longo que permitisse a decantação da argila.
A superfície do lago teria de se manter constante durante um período de tempo significativo para permitir que o material orgânico aderisse às concreções e fosse ele próprio coberto por concreção. Dada a posição elevada do nível de material orgânico, o volume do lago teria que ocupar a maior parte da sala. Levanta-se a questão do que foi feito da água do lago. Podemos pôr a hipótese de água se ter infiltrado em sumidouros, talvez não mais que fraturas, existentes provavelmente no local mais fundo do lago, de modo a permitir o seu esvaziamento total.
O Algar das Couves é composto essencialmente por uma sala, que corresponde a troço de um antigo coletor. Este apresenta direção aproximada SW-NE, o controlo estrutura do mesmo aparenta ser feito por uma fratura vertical com orientação similar à do coletor.
Trata-se provavelmente do mesmo coletor fóssil que é conhecido nas grutas próximas do Algar do Marradinhas II e do Algar do Zé de Braga. A gruta apresenta várias evidências de ter tido um lago relativamente recente de volume considerável no seu interior, que entretanto desapareceu.
Topografia do Algar das Couves
A topografia do Algar das Couves foi efetuada com equipamento 100% digital, um medidor a laser com bússola incorporada (Disto X310 da Leica) e um simples P.D.A.
Foram feitas 2 saídas de topografia, sendo efetuadas 37 estações topográficas e uma poligonal com 163m, sendo o seu maior desnível de 29m.
Algar do Zé de Braga
Este algar é uma das cavidades clássicas de Portugal, muito conhecida pela sua beleza. A grade de ferro à entrada foi colocada há muito para proteção do gado que ali costuma pastar.
Reza a história, segundo a malta da terra, que aquando da descoberta das grutas de Mira de Aire, havia grande procura de formas de reconstrução (estalagmites, estalagtites e colunas), para venda.
A malta de Santo António fazia guarda à entrada das grutas (Marradinhas II e Zé de Braga), para protegê-las dos larápios.
Um pouco de pesquisa revelou um documento que data de 1962, com o nome: “Algumas grutas da região do Covão do Feto”, elaborado por J. Martins Ferreira e V. Mendes de Sousa da Sociedade Portuguesa de Espeleologia (SPE), para apresentação no 26º congresso Luso-Esp. para o progresso das Ciências., em que fala do Algar das Corujas que é nem mais nem menos que o Algar do Zé de Braga.
Fica aqui um pequeno texto extraído do documento acima referido:
“Este algar localiza-se do lado Norte dum caminho que liga a estrada de Monsanto com o lugar Marradas, a cerca de 200 m do entroncamento. A entrada é fácil de descobrir pois encontra-se numa grande “laje” lapiezada, a escassas dezenas de metros duma pequena casa de abrigo. Uma “ponte” esculpida no calcário permite reconhecer de perto o acidente.”
Mais um pouco de pesquisa e aí está, no livro “Lapas e Algares da Serra de Santo António” uma referência ao Algar do Zé de Braga com código: SSA049, onde é feita uma descrição do algar e elaborada nova topografia.
Geologia do Algar do Zé de Braga
De acordo com a folha 27-A da Carta Geológica de Portugal, à escala 1:50.000 (Manupella et al), a gruta desenvolve-se na formação de Calcários Bioclásticos do Codaçal, datada do andar Batoniano do Jurássico Médio. As camadas apresentam localmente uma atitude subhorizontal. As galerias Grande, das Argilas e Sala das Excêntricas são controladas por fraturas de atitude aproximada E-W /vertical. O poço de entrada é controlado por uma fratura de atitude N40W/Vertical.
Génese
A gruta formou-se na zona freática de acordo com a definição de Bogli 1980, como o comprovam a secção arredondada das galerias, cúpulas e outros aspetos morfológicos típicos de grutas freáticas. O Algar do Zé de Braga marca um antigo nível de circulação de água que atualmente se encontra à cota aproximada de 230-240m.
A gruta, por uma descida relativa do nível de base, passou da zona freática para a zona vadosa inativa. O poço de entrada abriu-se posteriormente com o abatimento do tecto da gruta, que se encontra muito perto da superfície.
Conclusão
O Algar do Zé de Braga é um antigo coletor formado na zona freática, de acordo com a definição de Bogli 1980. A gruta é estruturalmente controlada por uma família de fraturas de atitude E-W/Vertical. O Algar do Zé de Braga marca um antigo nível de circulação de água que atualmente se encontra à cota aproximada de 230m. A cavidade faria parte, juntamente com algumas das grutas próximas, como os algares das Couves, Marradinhas II e Marradinhas do Daniel, de um coletor entretanto seccionado e que se encontra atualmente no estado senil.
Topografia do Algar do Zé de Braga
A topografia deste algar já deu um pouco mais de trabalho, por ser maior e pelos seus cantos, recantos e pequenas desobstruções que foram sendo feitas ao longo do tempo.
A topografia do Algar do Zé de Braga foi efetuada com equipamento 100% digital, um medidor a laser com bússola incorporada (Disto X310 da Leica) e um simples P.D.A.
Foram 4 saídas, onde fizemos 85 estações topográficas e uma poligonal de 337m, sendo o seu maior desnivel de 34m.
Neste momento os trabalhos continuam em bom ritmo, reforçados com novos espeleólogos que nos deixam muito felizes, sobretudo os mais novos.
Brevemente publicaremos mais algares com novas topografias, obrigado e abraços cavernícolas.
Referências bibliográficas
- Bögli, A. (1980), Karst Hydrology and Physical Speleology, Springer-Verlag, Berlin Heildelberg New York.
Canais, F. & Fernandes, J. 1999. Lapas e Algares da Serra de Santo António. Subterra Grupo de Espeleologia. Torres Novas - Crispim, J.A (1995). Dinâmica Cársica e Implicações Ambientais nas Depressões de Alvados e Minde. Tese de Do utoramento em Geologia, especialidade de Geologia do Ambiente. Departamento de Geologia. Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa.
- Manupella, G., Telles Antunes, M., Costa Almeida, C.A., Azerêdo, A.C., Barbosa, B., Cardoso, J.L., Crispim, J.A., Duarte, L.V., Henriques, M.H., Martins, L.T., Ramalho, M.M.; Santos, V.F.; Terrinha. P.; (2000). Carta Geológica de Portugal – Vila Nova de Ourém, Folha 27-A, à escala 1:50.000, e Nota Explicativa, Instituto Geológico e Mineiro, Lisboa.